Em um mercado saturado de jogos que apostam em gráficos ultrarrealistas ou fórmulas de sucesso repetitivas, Blue Prince surge como uma experiência singular. Desenvolvido pela Dogubomb, o jogo combina elementos leves de roguelike, construção estratégica e narrativa ambiental para criar uma proposta que, embora não seja perfeita, se destaca pela originalidade e ambição. Lançado em abril de 2025, o título já está sendo considerado um dos mais ousados do ano, mesmo com suas contradições. Nesta análise, exploraremos suas mecânicas, narrativa, design e impacto no cenário atual dos jogos indie.

Herdar um Enigma
O jogador assume o papel de um herdeiro que recebe uma mansão decadente, mas há uma condição: para reivindicar a propriedade, é preciso descobrir o 46º cômodo de uma planta que oficialmente possui apenas 45 salas. Esse paradoxo arquitetônico serve como motor narrativo e mecânico. A mansão não é um espaço estático; ela é reconstruída a cada tentativa, usando um sistema de deck-building de cômodos que lembra um quebra-cabeça dinâmico. Cada sala é uma carta que pode ser colocada no tabuleiro, conectando-se a outras por meio de portas, criando caminhos que variam entre rotas lógicas e becos sem saída.
Dominó Arquitetônico
A comparação com um jogo de dominó não é acidental. Assim como as peças do clássico jogo, os cômodos de Blue Prince só podem ser posicionados se suas portas corresponderem às das salas adjacentes. Isso cria bifurcações estratégicas: uma sala com três portas pode abrir múltiplos caminhos, enquanto uma com apenas uma entrada limita o progresso. A aleatoriedade do deck garante que cada partida seja única, mas também introduz um elemento de sorte que divide opiniões. Enquanto alguns jogadores apreciam a imprevisibilidade, outros criticam a dependência excessiva do RNG .

O Contador de Passos e Seus Desafios
Um dos pilares de Blue Prince é seu sistema de contador de passos, que adiciona tensão à exploração. Cada vez que o jogador entra em um cômodo, o contador diminui em um ponto. Quando chega a zero, a sessão termina, e o jogador é forçado a abandonar a mansão, retornando no “dia” seguinte com o mapa reiniciado. No entanto, há nuances críticas nessa mecânica:
- Recuperação de Passos: Comida espalhada pela mansão restaura pontos de passos, incentivando a exploração cuidadosa de salas secundárias.
- Penalidades e Pedágios: Certos cômodos, como capelas, cobram um “pedágio” de passos para serem atravessados.
Essa dinâmica transforma a exploração em um jogo de gerenciamento de recursos, onde cada decisão tem consequências imediatas. A tensão entre avançar para descobrir novos cômodos e conservar passos para sobreviver cria um equilíbrio delicado, reminiscente de títulos como Darkest Dungeon.
Conhecimento como Moeda
Como é típico do gênero roguelike, Blue Prince não permite que o jogador carregue itens ou recursos entre as sessões, salvo anomalias mecânicas eventuais. A única progressão permanente é o conhecimento: padrões de salas, combinações eficientes de cômodos e a localização de documentos-chave. Esse design reforça a ideia de que a verdadeira herança não é a mansão, mas a compreensão de seus segredos.
A história de Blue Prince é contada de maneira não linear, através de documentos, objetos e até inscrições nas paredes. Essa abordagem, que evoca títulos como Gone Home e What Remains of Edith Finch, é eficaz para construir um senso de mistério, mas também compôr o personagem importante que é o estabelecimento como um todo. A ausência de diálogos ou cutscenes diretas transfere a responsabilidade de interpretação ao jogador, que precisa conectar fragmentos para entender o que houve ali.
No entanto, há uma ressalva significativa: toda a narrativa está em inglês, sem opções de localização. Em 2025, quando a indústria prioriza a acessibilidade linguística, essa decisão é questionável e exclui parte do público, ou não possui confiança suficiente em si mesmo.

Atmosfera, o outro Personagem
Blue Prince adota uma estética minimalista, com modelos 3D simplificados e uma paleta de cores dominada por tons frios — azuis profundos, cinzas metálicos e verdes pálidos. Essa escolha não é apenas estética; ela reforça temas de isolamento, mistério e… o trocadilho infame com o nome do jogo. A mansão parece existir em um crepúsculo perpétuo, onde até o ar parece carregado de segredos.
Som e Silêncio: Construindo Tensão
A trilha sonora, composta por [Nome do Compositor], mistura ambientes sonoros minimalistas com pianos melancólicos. O silêncio é usado estrategicamente: em cômodos vazios, o único som é o eco dos passos do protagonista, aumentando a sensação de solidão. Em contraste, salas com quebra-cabeças ou eventos narrativos ganham camadas sutis de música, guiando a atenção do jogador sem ser intrusivo.
Críticas e Controvérsias: O Preço da Originalidade
Nenhum jogo é imune a críticas, e Blue Prince tem suas falhas:
- Curva de Aprendizado Íngreme: As primeiras horas são lentas, com tutoriais pouco intuitivos. Mecânicas como o sistema de dominó e pedágios só se revelam estratégicas após múltiplas tentativas.
- Dependência de Sorte: Embora a aleatoriedade seja parte do charme, jogadores podem se frustrar ao receberem sequências de cômodos inúteis repetidamente.
- Falta de Localização: Em um mercado globalizado, a ausência de suporte a idiomas além do inglês é uma falha grave para um jogo tão dependente de leitura.
Ainda assim, o jogo é bem-avaliado pela relação custo-benefício. Com preço metade de US$ 60, ele se posiciona como uma alternativa acessível em um ano onde já estamos flertando com a normalização de jogos a 80 dolares. No Steam você pode comprar essa experiência de dezenas de horas por R$89,00.
Blue Prince não é um jogo para todos. Sua dependência de sorte, ritmo deliberadamente lento e barreiras linguísticas podem afastar jogadores casuais. No entanto, para aqueles dispostos a investir tempo e paciência, ele oferece uma experiência profundamente recompensadora. A combinação de estratégia, narrativa ambiental e design atmosférico cria um título que, como a mansão que retrata, esconde mais profundidade do que aparenta à primeira vista.
Em um ano marcado por lançamentos seguros e fórmulas repaginadas, Blue Prince ousa ser diferente — e, por isso, merece reconhecimento. Se o 46º cômodo é real ou metafórico, cabe ao jogador descobrir. Mas a jornada, repleta de tensão e descobertas, é uma herança que vale a pena receber.
BLUE PRINCE
NOTA - 8.8
8.8
ÓTIMO
Blue Prince oferece uma experiência única, misturando estratégia de construção de cômodos, tensão roguelike e narrativa ambiental. A premissa intrigante de descobrir um cômodo "impossível" em uma mansão procedural cativa, apoiada por uma atmosfera visual imersiva e mecânicas de gerenciamento de recursos desafiadoras. Apesar de um início lento e certa dependência de sorte, o jogo recompensa paciência com profundidade estratégica e descobertas narrativas sutis. A falta de localização pode ser uma barreira, mas o custo acessível e a originalidade fazem dele um destaque indie de 2025. Recomendado para fãs de mistérios arquitetônicos e desafios cerebrais.