Post Trauma: Entre o Ambicioso e as Sombras do Inacabado

Em um cenário onde o survival horror clássico parece ressurgado apenas em projetos indie que hesitam em mergulhar de cabeça na escuridão verdadeiramente sensível, Post Trauma surge como um manifesto audacioso. Este jogo, desenvolvido por um estúdio espanhol de escala modesta, não apenas desafia a nostalgia dos puristas de Silent Hill como também procura reinterpretar a linguagem do terror psicológico. Com uma narrativa que beira o hermetismo, um protagonista que desafia os arquétipos estabelecidos pelos jovens desenvolvedores na indústria e uma estética que oscila entre o sublime e o levemente precário, Post Trauma é uma experiência que incomoda, fascina e, acima de tudo, exige reflexão. Não é um jogo para todos — e talvez nem devesse ser. É, contudo, uma prova contundente de que o terror psicológico não precisa ser subjetivo a ponto de se tornar interpretativo praticamente.


Entre a Carne e o Aço

A primeira impressão que Post Trauma oferece é a de um pesadelo arquitetônico. O jogo constrói seus cenários na intersecção entre o banal e o grotesco: estações de trem corroídas por membranas pulsantes, corredores públicos invadidos por manequins que parecem vigiá-lo, e ruínas urbanas que respiram como organismos vivos. A inspiração em Silent Hill: The Room é inegável, mas aqui, a equipe espanhola não se limita à homenagem. Eles amplificam a dissonância entre o cotidiano e o surreal, criando espaços que funcionam como extensões do trauma do protagonista, Roman.

Roman, um homem comum de meia-idade, com um físico distante dos padrões heroicos e uma expressão facial permanentemente carregada, é a antítese do protagonista convencional. Emocionalmente isso pode ter sido retratado à exaustão anteriormente, mas visualmente, definitivamente não vamos contar com rostinhos “padrões”. Sua jornada não é a de um herói, e isso é normal neste tipo de jogo — alguém que mal consegue entender o próprio pesadelo em que está imerso. Essa escolha narrativa é constante em um gênero que frequentemente recai em arquétipos jovens e fisicamente impecáveis. Roman cansa, sua stamina esgota-se rapidamente, e cada confronto com as criaturas do jogo parece uma batalha contra a própria fragilidade humana.

Os ângulos de câmera fixos, reminiscentes dos clássicos do PS1 e PS2, não são meros exercícios de nostalgia (apesar de comporem parte do pacote como parte do plano o tempo todo). Eles são ferramentas meticulosamente posicionadas para ampliar a claustrofobia e a imprevisibilidade. Um corredor aparentemente vazio, visto de um ângulo baixo, esconde ameaças nas bordas da tela. A escuridão, muitas vezes interrompida por luzes estroboscópicas ou pelo brilho no fim de corredores, transforma cada ambiente em um quebra-cabeças visual. A chave aqui é ter escolhido no documento de gaming design, ambientes que pudessem ser explorados com sucesso em 2025 que não requerissem uma distribuição de assets que poderiam matar o orçamento final do game.


Delicada Arte da Frustração

O combate em Post Trauma é, deliberadamente, rudimentar. Um botão para atacar, outro para esquivar, uma barra de stamina que se esvai rapidamente — mecânicas que, à primeira vista, poderiam ser interpretadas como deficiências de design. Mas há uma intenção clara por trás dessa simplicidade: queremos atritos para colorir a obra. Tirar o combate de um jogo de terror só porque ele não pe efetivo, não é uma solução interessante, pois a existência deste combate se faz indispensável para a fantasia de ter uma chance de lutar de volta. Portanto, não acredite em mentira de gente que lhe diz o contrário.

Inimigos com designs visceralmente perturbadores — criaturas que mesclam membros humanos retorcidos — avançam de maneira errática, mas previsível. O problema, contudo, está na falta de build-up. Enquanto Silent Hill construía tensão através de sons distantes e muitas vezes era um alarme falso, Post Trauma muitas vezes joga suas criaturas diretamente na tela, perdendo a oportunidade de explorar o medo do desconhecido e gastar toda sua subjetividade abundante aqui neste setor.

Os puzzles, por outro lado, são onde o jogo encontra seu equilíbrio mais arriscado — e bem-sucedido. Desde o primeiro desafio no vagão de trem, que exige observação aguçada e conexões lógicas não óbvias, Post Trauma recusa-se a segurar a mão do jogador. Não há diários esparsos ou documentos explicativos; a solução está sempre no ambiente, exigindo que o jogador interaja com objetos, decifre padrões visuais ou simplesmente ouse experimentar. Essa abordagem, embora imersiva, pode alienar aqueles acostumados a guias claros e um fluir suave de jogo, sem maiores interrupções.

Infelizmente, a experiência técnica nem sempre acompanha a ambição artística. No PC, texturas carregam com atraso visível, quebrando a imersão em momentos cruciais. No console, esses problemas são menos frequentes, mas ainda há uma sensação de que o jogo poderia ter sido polido por mais alguns meses. A HUD minimalista, embora funcional, carece de refinamento visual, parecendo um esboço em meio a cenários tão detalhados.


Quando o Silêncio Vira Algoz

A história de Post Trauma é seu elemento mais polarizador. Roman acorda em um mundo que já parece estar em ruínas, sem memória de como chegou lá. O título do jogo não é sutil: estamos lidando com as consequências de um trauma passado, mas quais? Através de flashbacks em primeira pessoa, onde controlamos Carlos — um homem cuja conexão com Roman é intencionalmente obscura —, o jogo tece fragmentos de uma narrativa sobre culpa, perda e negação? O problema não está na abstração, mas na recusa em oferecer algum tipo de âncora narrativa.

Silent Hill 2, frequentemente percebido como inspiração máxima do gênero, equilibrava subjetividade com momentos de clareza reveladora. James Sunderland descobria cartas, encontrava personagens secundários com motivações tangíveis e, no fim, tinha suas revelações — por mais dolorosas que fossem. Em Post Trauma, até mesmo os documentos encontrados são crípticos, e os diálogos são tão escassos que deixam o jogador à deriva em um mar de simbologias desconexas. Há beleza nessa abordagem, é verdade, mas a linha entre “interpretação livre” e “narrativa inconclusiva” é tênue demais.

A decisão de dividir a perspectiva entre Roman (terceira pessoa) e Carlos (primeira pessoa) poderia ter sido um trunfo, mas acaba diluindo o foco, pois é difícil se importar com qualquer personagem.


Um Farol na Névoa, Mas Ainda Não um Porto Seguro

Post Trauma é um jogo que incomoda não apenas pelo que é, mas pelo que poderia ser. Suas qualidades são inegáveis: uma direção de arte que transforma o repugnante em hipnótico, um protagonista que redefine o que significa ser “relatável” em jogos, e puzzles que desafiam a complacência moderna.

No entanto, é impossível ignorar suas fissuras. A narrativa, embora ambiciosa, peca pela excessiva opacidade, falhando em entregar até mesmo as migalhas de clareza que fariam a jornada valer a pena emocionalmente. Os problemas técnicos, especialmente no PC, são obstáculos desnecessários em uma experiência que depende tanto de imersão. E o combate, ainda que intencionalmente desajeitado, poderia ter sido compensado por uma construção de tensão.

Enquanto isso, Post Trauma permanece como uma experiência imperfeita, mas que vale visitar, ao lado de Tormented Souls e Fobia St. Dinfna Hotel — um lembrete de que, às vezes, é nas cicatrizes que reside a verdadeira beleza.

POST TRAUMA

SCORE - 7.5

7.5

BOM

Há algo profundamente admirável em como Post Trauma se recusa a fazer concessões. Ele não teme ser lento, ou até mesmo frustrante — porque esses elementos são parte de sua identidade. Para os desenvolvedores, fica a promessa: com um orçamento maior e um pouco mais de ousadia narrativa, seu próximo projeto poderá não apenas imitar os clássicos, mas superá-los.