Com ou sem roteiro, Doom The Dark Ages faz inveja a jogos de tiro AAA

O lançamento de Doom Eternal em 2020 ficou marcado como o jogo mais esperado da trilogia atual — um título que, no sentimento de quem aguardava, pisou no acelerador fundo demais e acabou gerando uma sensação mista de euforia e cansaço diante de tanto frenesi. Quando a id Software anunciou The Dark Ages, uma prequela ambientada entre Doom 64 e Doom (2016), houve uma recepção curiosamente mais comedida: as pessoas estavam esperando com paciência, não muito hype, e isso resultou em surpresa boa no final das contas. Essa ausência de expectativa estrondosa permitiu ao estúdio esculpir o ritmo sem a pressão de superar um hype gigante, e o resultado foi justamente equilibrar velocidade e brutalidade, corrigindo o medo de que o acelerador não fosse tão pisado nesta nova aventura.


Convidado Não Chamado

Em The Dark Ages, a história assume um papel discretamente decorativo. Logo ao começar, o jogador encontra registros e breves cutscenes, mas nada que interrompa o fluxo do combate. O jogo é uma sucessão de eu não me importo com o que está acontecendo aqui… A ambientação traz o Doom Slayer algemado como um cachorrinho antes de recuperar sua liberdade, mas essa tensão narrativa permanece quase sempre em segundo plano. Em vez de longas sequências em CG, a trama se desliza por textos e codecs opcionais, e as poucas cenas mais elaboradas aparecem em intervalos de início e fim dos 22 capítulos que reforçam a ideia de que o enredo existe apenas para colorir o cenário, nunca para ditar o ritmo.


Falta de Protagonismo aos tímpanos

A ausência de Mick Gordon, responsável pelas trilhas icônicas de Doom 2016 e Eternal, é sentida de imediato. The Dark Ages adota sintetizadores que buscam um clima épico e celestial, mas ansiosos por protagonismo. Há falta de senso de timing de entrada dessas músicas, ou tocando em lugares que você acha que tá meio errado, o que cria a impressão de um design sonoro ligeiramente inferior. Ainda assim, nos momentos de combate mais intensos, quando o baixo eletrônico se acerta com o ritmo dos disparos, a OST consegue amplificar a brutalidade na medida exata, lembrando que a id Software mantém seu pulso sobre o pulso do jogador, mesmo sem a assinatura de Gordon.


Mecânica de Escudo e a Revolução do Parry

O grande diferencial de gameplay é o escudo, que introduz o sistema de parry como alicerce das batalhas. Defender projéteis coloridos e devolvê-los ao inimigo cria uma cadência digna de um jogo de luta dentro de um FPS. O escudo faz a ligação entre esses movimentos, que até lembram a cadência de um bom jogo de luta. Quando bem executado, o parry interrompe o ataque adversário e abre caminho para um Glory Kill, transformando a defesa em uma tática ofensiva formidável. Contudo, a transição nem sempre é limpa: às vezes o jogo não entende ou não quer que haja essa troca tão rápida… parece que o jogo ainda tem a animação de você voltando para a arma e aí você já perdeu o controle do tiro e às vezes isso pode até te matar. A expectativa de que um patch corrige esses lapsos e garante que o parry funcione com precisão cirúrgica.


Projéteis Coloridos e Dinâmica de Caça

Inspirado em mecânicas de jogos como NieR e ReturnalThe Dark Ages apresenta projéteis multicoloridos que exigem atenção ativa. O disparo verde, padrão para o parry, vira alvo: você quer correr atrás desses tiros verdes no meio da bagunça para poder dar o parry e devolver esse tiro normalmente para o inimigo grande e basicamente deixá-lo estonado para receber o Glory Kill. Este convite a enfrentar o perigo de frente — em vez de apenas desviar — reforça a filosofia Doom: agressividade é a melhor defesa, e a caça ao projétil torna o combate ainda mais eletrizante.


Agressividade Obrigatória

A fragilidade do Slayer empurra o jogador para a ofensiva: duas corridas de inimigo e já morre, mesmo que você esteja com 100 de escudo e 100 de vida. Apesar da regeneração rápida e dos itens de cura nas arenas, a mensagem é clara: hesitar é fatal. Você tem que estar se movimentando o tempo todo, senão já era. Esse design cria uma tensão constante, transformando a agressividade compulsória em combustível para a experiência.


Sequências com Veículos: Mechas e Dragões

The Dark Ages inova com fases em mecha e dragões demoníacos. No modo mecha, a velocidade diminui propositalmente, permitindo apreciar as animações de brutalidade em câmera quase-slow motion — um contraste bem-vindo ao caos terrestre. As seções de dragões, descritas por alguns como a parte Star Fox do jogo, apresentam cenários abertos nos quais o Slayer deve parryar construções demoníacas, pousar para invadir bases a pé e depois retornar ao dragão para prosseguir. Essa alternância amplia o escopo de sensações, equilibrando o frenesi do solo com explosões de poder aéreo.


Exploração e Segredos Integrados ao Combate

O level design de The Dark Ages combina arenas amplas e corredores largos de modo a incorporar segredos de forma orgânica, sem exigir que o jogador diminua o ritmo para vasculhar cada canto. Tudo está tão frenético e a montagem do level design… ele oferece umas arenas abertas e corredores largos, que você eventualmente, se você se interessar em achar esses segredos, eu acho que eles vão ser mais fáceis de serem encontrados; mas na verdade, muitos deles eu encontro só explorando, andando, batalhando, de repente você está BOOM, ali na frente de um segredo. Essa abordagem premia a curiosidade natural de quem se move com velocidade, permitindo que, em meio à carnificina, o Slayer tropece em passagens secretas sem interromper o pulso contínuo do combate. Voltar a fases antigas para colecionar 100% dos itens continua viável, porém perdeu o caráter punitivo do passado: agora, encontrar um segredo acontece de forma quase acidental, reforçando a sensação de descoberta espontânea e mantendo o jogador imerso na ação.

Seja nas mãos do Slayer ou projetadas para o escudo, as armas em The Dark Ages mantêm o peso e o feedback tátil que são assinatura da franquia. A Super Shotgun, com seu recuo curto e som seco, faz cada disparo ressoar como um impacto físico, obrigando o jogador a se aproximar dos inimigos para maximizar o dano. A Ballista, herdeira do Railgun de Eternal, dispara flechas demoníacas que perfuram armaduras e deixam um rastro em chamas, oferecendo precisão cirúrgica mesmo em meio ao caos. O lança-chamas de plasma cria zonas de controle incandescentes que detêm multidões inimigas, enquanto a motosserra de aço-rúnico — recurso precioso em fases densas — permite fatalidades gráficas, arrancando membros e transformando-os em projéteis contra hordas subsequentes. Cada arma encaixa-se no ritmo intenso, mas também propicia momentos de mira e estratégia, especialmente quando combinadas ao parry: defender um projétil e, num único movimento, mirar e disparar com precisão torna-se uma dança violenta e satisfatória.


Arenas de Destaque e Variabilidade de Movimento

Algumas arenas se destacam não apenas pela estética, mas pela forma como forçam o jogador a explorar movimentos verticais e horizontais. Em fortalezas labirínticas, plataformas móveis e passagens suspensas demandam saltos precisos enquanto hordas surgem de alcovas laterais. Em tempestades de cinzas, uma coluna central que lança magma obriga o Slayer a rodopiar entre fortes projéteis e corredores externos, usando o escudo para rebater ataques antes de avançar. Nas planícies de ossos, um vasto espaço quase sandbox abre diversas rotas de combate: enfrentar dragões em patrulha nas alturas, invadir bases demoníacas ou atravessar cânions a pé. A alternância entre áreas confinadas e amplas reforça o dinamismo, fazendo com que cada fase seja um convite contínuo ao movimento fluido e imprevisível.

O único momento em que The Dark Ages desacelera verdadeiramente é a cada tela de seleção de upgrades. Nessas pausas, o jogador lê e pensa quais upgrades adquirir — um instante breve, mas suficiente para quebrar o frenesi do combate e introduzir uma reflexão tática. Isso cria uma pequena quebra de prazer que o combate estava proporcionando para dar lugar a um sentimento de hesitação, de quebra, de orgasmo. Ainda que alguns prefiram frenesi ininterrupto, esse micro-intervalo obriga o Slayer a ponderar sobre suas escolhas, equilibrando instinto e estratégia, e reforça o vínculo entre o jogador e o crescimento do personagem.


Comparações com Doom (2016) e Eternal

Em relação a seus predecessores, The Dark Ages retém a velocidade de Eternal sem recorrer à mesma verticalidade exacerbada que, em 2020, dividiu a comunidade. O escudo substitui parte dessa verticalização, criando um elo mais firme entre inimigo e inimigo no plano horizontal. Enquanto Doom (2016) introduziu o frenesi controlado e Eternal elevou o caos com novas mecânicas de plataforma, The Dark Ages ajusta o equilíbrio: ainda é rápido e incansável, mas com pontos de apoio no solo que mantêm o jogador orientado. Inimigos clássicos retornam com padrões de ataque mais refinados — o Aracnotron e o Marauder se mostram mais desafiadores, exigindo parry e combos específicos — e criaturas inéditas, como os Drakes de Lava, adicionam variação tática, mesclando danos em área e projéteis velozes que demandam atenção constante.


Impressões Pessoais e Pontos de Melhoria

No campo dos acertos, The Dark Ages brilha: o escudo transforma o combate ao introduzir parry como elemento essencial, as fases com mechas e dragões ampliam o escopo de espetáculo e o design de níveis reforça a mobilidade sem prejuízo da exploração. A trilha sonora, apesar de oscilar em relevância, acerta em momentos-chave, dando grandeza às batalhas. Por outro lado, a animação de transição no parry ainda sofre com travamentos que podem custar a vida do Slayer, e a menor ênfase em segredos tradicionais pode desmotivar jogadores ávidos por completar 100% de um título clássico. A expectativa de um patch para refinar o timing do escudo é alta, e quem busca imersão narrativa pode sentir falta de uma trama mais presente, mas esses pontos não subtraem o prazer visceral do tiroteio incessante.


Com Doom: The Dark Ages, a id Software reafirma-se como referência em FPS de alta octanagem. O jogo aperfeiçoa a fórmula iniciada em 2016, corrige excessos de Eternal sem perder a brutalidade e introduz mecânicas que podem se tornar padrão em futuras sequências. Ao mesclar combate estratégico, design de fases inspirado e inovações — como o parry e as seções de veículos —, The Dark Ages provê argumentos sólidos para novos capítulos da saga do Slayer. Ainda há muito a explorar: aprofundar a história, diversificar a trilha sonora e refinar animações para alcançar a perfeição técnica. Entretanto, o título já se posiciona como o melhor FPS AAA dos últimos anos, estabelecendo um novo parâmetro para o gênero e abrindo caminho para continuações que possam ousar ainda mais sem trair suas raízes.


DOOM THE DARK AGES

SCORE - 8.8

8.8

ÓTIMO

Doom: The Dark Ages entrega uma experiência que honra o legado da franquia ao mesmo tempo em que ousa renovar seus pilares. A ação permanece implacável, o combate ganha profundidade com o escudo e o parry, e o design de níveis mantém o jogador em movimento constante. Se você é fã de tiroteios frenéticos, decisões táticas em frações de segundo e espetáculos visuais sangrentos, este é o FPS obrigatório de 2025. É lugar comum apontarmos Doom 2016 como o preferido da trilogia, mas cabe uma revisita para verificar...