Uma das maiores dificuldades ao analisar Nikoderiko está em evitar comparações constantes com Donkey Kong Country, o que pode ser quase inevitável para qualquer jogador familiarizado com os clássicos do gênero. De fato, é um verdadeiro desafio não traçar paralelos entre os dois, já que desde o momento em que você começa a jogar Nikoderiko, certas similaridades saltam aos olhos. No entanto, longe de ser algo negativo, essa comparação surge de maneira natural e quase inevitável, dado que Nikoderiko se inspira sem pudor em muitos dos elementos que tornaram Donkey Kong Country uma referência indiscutível nos jogos de plataforma. O mais interessante é que o jogo não tenta esconder ou disfarçar essa influência; na verdade, ele parece abraçá-la completamente, quase como uma homenagem declarada, mas ainda assim, consegue trilhar seu próprio caminho com personalidade.
O jogo foi inicialmente promovido como uma fusão entre *Crash Bandicoot* e Donkey Kong, o que certamente despertou a curiosidade de muitos fãs desses dois estilos clássicos de plataforma. No entanto, ao mergulhar na experiência de Nikoderiko, fica claro que, na prática, o jogo se inclina muito mais para seguir os passos de *Donkey Kong* do que para misturar elementos de ambos os universos de maneira equilibrada. A promessa de uma combinação dos dois jogos é, na verdade, bastante restrita, com o lado inspirado em *Crash Bandicoot* aparecendo apenas em breves momentos, quase como participações especiais, e não como uma parte central do gameplay.
Esses trechos onde o jogo adota uma perspectiva 3D, remetendo a Crash, são raros e relativamente curtos, surgindo como pequenas variações no ritmo do jogo, mas nunca estabelecendo uma presença significativa. São quase como pequenas surpresas, rápidas e passageiras, que trazem uma mudança no eixo de jogabilidade, mas não conseguem ser memoráveis o suficiente para equilibrar a balança entre as influências. O foco maior está claramente na jogabilidade 2D que faz alusão ao estilo clássico de Donkey Kong, onde o design das fases, a movimentação e os desafios são prioritariamente moldados. No fim, o jogo parece mais confortável em manter essa abordagem, fazendo com que os momentos em 3D soem mais como um aceno ocasional a Crash Bandicoot, em vez de uma fusão real e profunda entre os dois universos, como inicialmente sugerido.
E não se engane: nesse jogo há uma sensação que eu nunca senti em jogos antes, e é do exato momento em que existe a transição de 2D para 3D. Uma pena que isso seja tão pontual e incomum. Há algo especial nesse exato ponto de mudança, onde o jogo subverte a expectativa do jogador ao sair do ambiente tradicional de plataforma 2D e mergulhar em uma perspectiva tridimensional.
Essa transição cria um impacto visual e sensorial diferente, que chama a atenção e pode ser descrita como um dos momentos mais memoráveis do jogo. É uma sensação que adiciona uma camada de frescor à jogabilidade, como se o jogador fosse brevemente transportado para outra dimensão do jogo, e da forma sem se sentir que acontece. Não vejo isso em outros jogos, talvez o mais parecido seja a transição do Mario Odyssey, mas mesmo assim, ali há um marcador entre a transição, cujo totalmente te prepara para esse momento, e já perde um pouco do diferencial nisso.
Adiante, o jogo oferece os coletáveis nas fases que formam a palavra “NIKO”, um grande diamante roxo escondido e as moedas para gastarmos na loja durante o mapa. Existem dois tipos de moedas: uma que poderíamos classificar como “os reais” — mais escondidas nas fases, e os centavos, os quais são mais comuns de serem avistados. Com essas moedas, compramos colecionáveis como músicas e artes, além de comprar montarias para chamar a qualquer momento – um toque interessante misturado à fórmula. É claro que muita coisa do que eu disse aqui soará quase idêntico a um certo jogo, mas esses coletáveis que mencionei por último são emprestados de outro jogo. Funcionam exatamente como os ‘lums” da série Rayman, mais especificamente os lums de Origins e Legends. Até a sonoplastia ao fim da fase traz o crescendo que indica o enchimento de algum pote de “lums”.
Mas espere — para cada fase vamos ter também a existência de 2 bônus stages escondidos, que lhe concedem uma chave colecionável para liberar um certo segredo. Essas fases bônus em específico possuem um nível de desafio embaralhado, às vezes chegando a oferecer algo que esperava ver mais para a segunda metade do jogo, e não no segundo mundo já. No geral, o jogo não é difícil, e achar os segredos tem ou o mesmo nível de dificuldade dos jogos da Rare, ou são levemente mais fáceis, oferecendo dicas visuais gritantes.
Se você procura desafios reais, a brincadeira começa a partir do terceiro mundo, e nem precisa dizer que o prazer real desse gênero hoje em dia é o de tentar coletar todas as coisas. Além disso, Nikoderiko se sai bem em oferecer um modo co-op para 2 pessoas.
Talvez o melhor departamento do game para mim tenha sido a parte gráfica, que conseguiu me fazer apreciar o que eu via ainda mais do que em Tropical Freeze em 2013. Além das cores excelentemente escolhidas (que é uma coisa importante para esse sub-gênero), o traço das construções das fases é charmoso demais. Minha única reclamação é que, dentro de tanta cor e brilho, em alguns momentos você pode perder a noção de onde seu personagem está depois de algum movimento de ação ou explosão.
Outro ponto legal também são as batalhas com chefes, que esforçam para serem algo diferencial um do outro, com perspectivas diferentes ou momentos pré-batalha que simplesmente são um gostinho a mais nesse prato.
Com a chave de review em mãos, foi possível identificar uma série de bugs que afetaram significativamente a experiência de Nikoderiko. Um dos problemas envolvia o uso das montarias, que permitiam ao jogador mantê-las em áreas onde não deveriam estar disponíveis, causando situações inesperadas. Em certos momentos, esse bug possibilitava que o jogador voasse para fora dos limites do cenário, quebrando completamente a progressão da fase. Esses problemas comprometeram a jogabilidade, especialmente para quem esperava uma experiência mais polida e estável, conforme comum em lançamentos dessa escala.
No dia em que o embargo foi levantado, o jogo recebeu um patch de correção, mas, para muitos que já estavam jogando para análise, esses problemas acabaram influenciando suas impressões iniciais. Embora o patch tenha sido uma tentativa de solucionar erros, não ficaram totalmente claro quais bugs foram de fato corrigidos e quais ainda persistem. Para quem já teve contato com a versão anterior à correção, a impressão geral pode ter sido prejudicada. Ainda resta incerteza sobre a abrangência das melhorias implementadas, e mesmo após a atualização, é difícil afirmar com confiança que todos os problemas técnicos foram resolvidos. Em uma segunda chance retornaremos para falar de uma possível redenção neste departamento.
Existem pequenos eventos em que eu me perguntava se aquilo foi feito por decisão deliberada ou está ali por puro esquecimento. Estou falando do jogo que pode ser jogado no Dpad, que para mim proporciona mais precisão nesses tipos de jogos (embora nas partes de perseguição vertical ao estilo Crash, a troca repentina para o analógico só soa boboca). O pequeno espanto foi descobrir que a navegação dos menus não está disponível com o Dpad, apenas pelo analógico.
David Wise, uma lenda quando se trata de trilhas sonoras icônicas, não parece estar em seu momento mais inspirado em Nikoderiko. As composições que ele entrega aqui, na maioria, acabam se tornando um pano de fundo que passa despercebido durante o jogo. É difícil encontrar momentos realmente memoráveis ou que consigam se destacar da forma como muitas de suas obras anteriores fizeram. Para um nome tão respeitado no mundo dos jogos, a expectativa é sempre alta, e aqui parece faltar aquele toque especial que o tornou uma referência. Mesmo em títulos menores, como Snake Pass, é possível identificar uma progressão melódica mais criativa, e não me entenda mal… A trilha de Donkey Kong Tropical Freeze (os quais são um jogo mais recente) é uma das melhores trilhas que já ouvi em jogos, superando a imaculada trilha dos dois primeiros jogos no SNES.
Vale lembrar que não é incomum ver compositores renomados voltarem para trabalhar em obras que fazem referência ao passado, muitas vezes com ótimos resultados. Barry Leitch, por exemplo, conseguiu emular a essência do clássico Top Gear em Horizon Chase, trazendo uma trilha sonora que tanto homenageia seu trabalho original quanto acrescenta algo novo e de qualidade. Em Nikoderiko, no entanto, o trabalho de David Wise soa mais como uma simples contribuição, quase como se fosse apenas mais um projeto que ele aceitou, sem o mesmo nível de envolvimento criativo que marcou seus melhores momentos. Não é que a trilha sonora seja ruim, mas ela não se destaca nem acrescenta o peso emocional e atmosférico que se poderia esperar de um nome como o dele, deixando a sensação de que algo mais marcante poderia ter sido entregue.
Nikoderiko
Veredito
Aos olhos desatentos, Nikoderiko passa como um clone quase perfeito de Donkey Kong Country, e talvez essas pessoas estejam certas, porém as músicas são em sua maioria das vezes inexpressivas, embora traga na bagagem o mesmo compositor dos clássicos.