Baldur’s Gate 3 e a Síndrome de FOMO

Se você acordou agora de um coma, talvez não saiba, mas Baldur’s Gate 3 foi lançado oficialmente para PC na última quinta-feira(3) e chega para Playstation 5 em setembro. O novo jogo da Larian Studios está sendo um sucesso absoluto de público e crítica. Recentemente o jogo bateu a marca de mais de 800 mil jogadores simultâneos na Steam, mostrando para a própria indústria que jogos single player ainda são extremamente relevantes. 

Mas é normal que isso aconteça. Foi assim com Elden Ring em 2022 que também alcançou um público imenso. Jogos bem feitos, sempre colhem seus frutos. No caso de Baldur’s Gate 3, ele não é só bem feito. Ele é, como diria certos desenvolvedores de jogos, uma “anomalia”. Mas não é sobre o quão bom ele é que eu quero falar hoje. A nossa análise completa ainda vai demorar alguns dias, até porque, o motivo desse texto é exatamente para falar sobre o fato de que Baldur’s Gate 3 é gigantesco. 

Trailer de lançamento de Baldur’s Gate 3

Quando falamos de jogos ‘triplo A’, sempre usamos a palavra “gigante” para se referir a dimensão do jogo em si. É assim com os grandes mundos abertos da Rockstar, por exemplo. Mas Baldur’s Gate 3 não é um jogo onde podemos limitá-lo a apenas um único detalhe de grandiosidade. Não, pelo contrário. Singularidade não existe em Baldur’s Gate 3. 

Tudo em Baldur’s Gate 3 é grandioso. Este RPG é possivelmente o jogo mais ambicioso que eu já pude jogar na minha vida. Grandes mundos abertos nós já vimos, jogos com inúmeras possibilidades de combate, nós também já vimos. Até mesmo a variedade de finais nós já vimos em outros jogos. Mas em nenhum, ou até mesmo somando todos os outros RPG’s já concebidos, é possível se deparar com a quantidade de informação, possibilidade, combate, narrativa, romance, diálogos, ações e reações que Baldur’s Gate 3 têm a oferecer.

Em meio a uma geração repleta de informação o tempo todo na sua cara, é completamente ilusório imaginar que alguém que gosta de filmes, por exemplo, vai conseguir assistir todos os filmes do ano. Quem é fã de blockbusters, possivelmente irá conseguiras terá de se desdobrar para conseguir ver de forma rápida. O fenômeno “Barbenheimer” foi uma prova disso. Milhares de pessoas assistindo a dois filmes no mesmo dia, em plena estreia de ambos. O motivo? Uma coisinha chamada “Síndrome de FOMO”. 

SÍNDROME DE FOMO? 

Você já sentiu medo ou ansiedade por estar perdendo algo importante? Que você está se sentindo “excluído” de uma conversa, ou de uma determinada bolha social, pelo simples fato de você não ter visto o filme que saiu na última semana, ou não ter ainda jogado aquele jogo que está fazendo um sucesso gigantesco? Essa síndrome é chamada de FOMO, ou Fear of Missing Out(Medo de Ficar de Fora). Ela pode causar sentimentos de inveja, medo de ser excluído e incapacidade.

Na era digital, o FOMO pode ser especialmente problemático no ambiente de trabalho. Quando você vê seus colegas de trabalho sendo promovidos, recebendo projetos mais interessantes e sendo convidados para mais reuniões, pode ser difícil não se sentir deixado para trás.

Hoje com o acesso a internet na palma da sua mão, essa síndrome pode atacar milhões de pessoas que estão viciadas em acompanhar timelines e storys infinitamente. O motivo disso é simples: o medo de ficar de fora e ter a sensação que está perdendo algo.

Mas nem só nas redes sociais isso pode aparecer. Alguns fãs de cultura pop vão se enxergar ao perceber que muitas vezes podem ser atrapalhados pela quantidade de coisas que hoje em dia nós precisamos engolir de forma rápida para conseguir um espaço em um debate. E claro, uma indústria que é marcada pelo “hype”, como a dos jogos, não poderia ficar de fora. 

O ano de 2023 por exemplo, para quem gosta de videogames, está “curto” para tantos jogos sendo lançados ao mesmo tempo. Ainda estamos em agosto, e mesmo assim, já tivemos muitos jogos, dos mais variados gêneros, que deram o que falar. Se você quiser conseguir acompanhar todos, o que eu acho muito difícil, ou vai ter que deixar de aproveitar a fundo a maioria deles. E assim, vai ficar de fora. 

BALDUR’S GATE 3 E O MEDO DE NÃO TER TUDO

Agora que você já sabe do que se trata a ‘Síndrome de FOMO’, preciso te dizer onde ela se encaixa em Baldur’s Gate 3. Afinal, um jogo com possibilidades da existência de mais de 17 mil finais diferentes, é humanamente impossível, uma pessoa, sozinha, conseguir ver todos eles. Mas não se preocupe, em breve escutaremos uma notícia de algum maluco que conseguiu o feito. 

Mas não são os milhares de finais possíveis em Baldur’s Gate 3 que possam fazer com que alguém que sofre de FOMO vá se sentir ansioso para ver tudo. Pelo contrário. Como um jogo onde todas as suas ações terão consequências, a cada tomada de decisão e a cada linha de diálogo escolhida, você vai deixar para trás outras dezenas de possibilidades, só em uma determinada ação que você tenha feito.

Eu pude jogar Baldur’s Gate 3 desde o seu lançamento em acesso antecipado, em outubro de 2020. Recomecei diversas vezes o ato 1, que até então era o único disponível para se jogar o jogo até o seu lançamento completo no último dia 3 de agosto. E em todas as vezes que eu recomecei, eu sempre fiz questão de usar classes e raças diferentes, além de tomar decisões e seguir caminhos também diferentes. 

Em todas as vezes, fui recompensado, pois sempre encontrava não só algo novo, mas como uma narrativa completamente nova. É como se eu tivesse jogando outro jogo, mas no mesmo cenário. Repito, isso tudo foi apenas se tratando do início do Ato 1. Já que eu nunca sequer fiz questão de terminá-lo ou chegar próximo ao fim, já que eu prometi a mim mesmo que só iria jogar tudo quando o jogo fosse finalmente lançado. 

Meu Gnomo dando um sorrisinho antes de enganar mais um trouxa.

E bem, finalmente Baldur’s Gate 3 chegou. E eu já tinha tudo preparado. Sabia qual classe, que raça e que caminho eu iria seguir. Eu fiz o meu Monge Gnomo para tocar o terror em Forgotten Realms. Meu objetivo era apenas um: ‘zaralhar’ geral, ser impiedoso, não ter um pingo de compaixão e não querer muito papo com ninguém. Após mais de 25 horas, eu ainda estava no Ato 1. Ainda estava fazendo coisas que eu nunca tinha feito durante o acesso antecipado. E principalmente: o meu roleplay estava delicioso. 

Mas acontece que uma determinada ação que fiz, e sei lá, talvez ainda nas primeiras horas, muito distante de onde eu já estava, acarretou em algo que eu não esperava -e para evitar spoilers, também não pretendo comentar aqui-. E eu prometi a mim mesmo também que não iria ficar salvando o jogo para voltar e consertar uma burrada. 

Longe de mim querer empatar o coito alheio.

Continuei no personagem por mais algum tempo. Mas foi difícil. Foi maior que eu. A todo momento eu pensava “poxa, eu poderia ter feito isso aqui”. E assim aconteceu. Após quase 30 horas de jogo, eu realmente comecei outro save. E dessa vez, com o completo oposto do meu Monge Gnomo Chaotic Evil. 

Entrei em cena novamente, mas desta vez sendo um Paladino, um guerreiro devoto à sua fé, devoto ao seu objetivo de proteger os menos favorecidos. Bem, após cerca de 6 horas, tempo no qual eu tenho de jogo nesta minha nova jornada ao escrever este texto, eu ainda não quebrei o juramento do meu Paladino. Ainda não. 

Mas onde eu quero chegar com isso tudo? O fato de eu ter me mantido impaciente e com uma voz na minha cabeça me culpando a todo momento por ter feito determinadas coisas e que eu consequentemente perdi muito da própria história do jogo devido a isso, só me mostrou o quanto eu sofro da ‘Síndrome de FOMO’. 

Meu Paladino descendo a porrada em um livro.

Mas calma lá, eu não estou nem um pouco arrependido, ou sentindo que perdi quase 30 horas de jogo. Na verdade, eu sou grato a elas. Consegui vivenciar muita coisa maravilhosa e que com certeza, apenas eu pude vivê-las. Afinal, diante de tantas possibilidades, a chance de eu encontrar alguém que tenha tomado as mesmas decisões que eu, é minúscula.

Se você faz parte de uma bolha onde todos estão comentando sobre Baldur’s Gate 3, você provavelmente irá ver dezenas de amigos tendo experiências completamente diferentes da sua. E isso é o maior triunfo da Larian Studios com esse novo título. De fato, eles conseguiram entregar uma experiência singular para cada jogador, mas com uma pluralidade que nunca antes algum estúdio sequer arranhou a superfície. 

Ao saber que eu poderia ter tido outro tipo de narrativa só em não ter feito determinadas ações, me deixou na ânsia por saber o que eu perdi. Mas poxa, eu estava me divertindo demais interpretando aquele carismático e mesquinho Gnomo. Mas eu tomei minha decisão devido ao fato de que um dia, após finalizar Baldur’s Gate 3, eu voltarei para continuar minha jornada sendo um verdadeiro fanfarrão com o meu Gnomo. 

E Baldur’s Gate 3 me dá uma certeza: eu terei um resto de aventura completamente diferente. E assim pretendo fazê-la. Mas antes, ainda preciso manter o juramento do meu Paladino. Ou pelo menos, tentar. Quer dizer, não sei. Minha ansiedade pode apertar a qualquer momento e me fazer quebrar esse juramento.

Se você está jogando Baldur’s Gate 3 e está se sentido assim, relaxa, você não está sozinho. Somos milhares de jogadores sofrendo da mesma ansiedade. A ansiedade de saber que não conseguiremos ter todo o conteúdo do jogo ao mesmo tempo. Mas uma coisa é certa: independente de que rumo você vá tomar, você ainda assim, terá uma das melhores experiências que você poderá aproveitar em um videogame.

Da próxima vez que entrar na sua rede social favorita e se deparar com uma cena ou diálogo que você talvez tenha deixado passar, saiba: quem recebeu aquele diálogo, abriu mão de um que só você teve. Ou seja, todo mundo está se divertindo demais! 

E com certeza todos que estão se divertindo demais, também deixaram para trás muitas coisas. E possivelmente, estão arrependidos também. Mas como já dizia um Bardo Skatista conhecido como Marginal Alado: “Cada escolha, uma renúncia, isso é a vida”.

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