Um Caipira Muito Louco na Terra dos Mortos de Verão – de novo | Análise de Arizona Shunshine Remake

Você acaba de comprar um aparelho de realidade virtual e logo descobre que muitos dos jogos disponíveis para essa plataforma têm uma abordagem mais voltada para experiências imersivas e interativas, mas não necessariamente para jogos “hardcore” tradicionais. Esse fenômeno reflete a realidade do mercado de VR atual, onde a maioria dos títulos é composta por experiências curtas e interativas, muitas vezes projetadas para sessões rápidas, com foco na imersão sensorial e na exploração visual. Essas experiências são populares e acessíveis, mas podem não atender ao público que busca desafios mais profundos e jogos com complexidade estratégica ou narrativa.

Onde está o Arizona no meio disso tudo

Para jogadores que desejam títulos mais intensos e profundos, chamados de “hardcore”, boa parte das opções no VR ainda depende de adaptações de jogos originalmente criados para outras plataformas. Esse é o caso de grandes títulos como Borderlands 2, Resident Evil 7 e No Man’s Sky, que receberam modos em realidade virtual. Nesses casos, a adaptação traz uma nova camada de imersão, permitindo ao jogador vivenciar esses universos com uma sensação de presença física, algo que só o VR consegue proporcionar. No entanto, a experiência muitas vezes ainda se limita ao que o jogo original já oferece, sem explorar o VR em seu potencial máximo.

Esses jogos adaptados representam um importante avanço para o catálogo de jogos hardcore em VR, mas ainda deixam claro que o mercado possui um longo caminho a percorrer para oferecer experiências “nativas” de realidade virtual que combinem imersão profunda e complexidade.

Apresentando, Arizona Sunshine Remake

Arizona Sunshine é um dos títulos mais icônicos e populares dentro do universo dos jogos VR, sendo presença constante nas bibliotecas de quem explora esse mundo. Ele se destaca por tentar romper com o padrão tradicional dos jogos de tiro em realidade virtual, oferecendo uma proposta que vai além do comum. Enquanto muitos shooters em VR são estacionários — o que significa que o jogador geralmente permanece fixo em um ponto específico do cenário, como uma torreta, apenas enfrentando ondas de inimigos que se aproximam, num estilo similar aos clássicos jogos de light gun — Arizona Sunshine traz uma experiência mais dinâmica.

A principal diferença está na liberdade de movimento: em vez de manter o jogador preso a um único ponto, o jogo permite que você se movimente pelo cenário, explorando ambientes pós-apocalípticos enquanto enfrenta hordas de zumbis.

Arizona Sunshine, desenvolvido pela Vertigo Games, propõe o que muitos consideram o ideal para um jogo de tiro em realidade virtual: uma experiência em que o jogador não fica restrito a um ponto fixo, mas pode se deslocar e explorar ambientes variados enquanto enfrenta hordas de zumbis. Essa liberdade de movimento, aliada à interação com o cenário, aproxima o jogo do que muitos esperam da realidade virtual — um título em que a exploração e o combate ocorrem de forma natural, sem as limitações dos shooters estacionários.

Essa abordagem fez com que Arizona Sunshine logo se destacasse no catálogo de jogos VR,  ganhou até mesmo uma adaptação para o PlayStation VR, o que ampliou ainda mais seu alcance. Lançado em um período em que a VR era ainda bastante nova e experimental, o jogo trouxe uma experiência completa que poucos títulos do gênero ofereciam na época, e isso consolidou sua posição como referência.

Tapa Visual…apenas

Essa adaptação visual do jogo original, que agora inclui todas as expansões lançadas, amplia a experiência além das três horas oferecidas pela campanha base, dando ao jogador mais conteúdo e variedade para explorar. A trama se passa em um cenário pós-apocalíptico repleto de zumbis, mas com um toque de humor leve e irônico que quebra um pouco a tensão e torna a experiência única entre jogos de temática semelhante. Esse humor se manifesta principalmente nas falas do protagonista, um sobrevivente que percorre regiões áridas — áridas a ponto de parecerem tiradas direto dos cenários de um desenho do Papa-Léguas.

O personagem frequentemente conversa consigo mesmo, alternando entre comentários sarcásticos e reflexões sobre a nova realidade brutal em que vive. Até nos momentos de perigo, ele mantém o tom ácido, como se já tivesse aceitado a condição implacável do mundo pós-apocalíptico. Esse traço de personalidade adiciona uma camada extra ao jogo, humanizando a jornada e permitindo que o jogador experimente o cenário de destruição com uma dose de leveza, sem que a tensão do combate e da sobrevivência perca a intensidade. A sensação é de que ele se acostumou a essa nova normalidade, enfrentando a mortalidade e o caos com resignação e uma boa dose de sarcasmo.

Minha experiência com o Arizona Sunshine original foi breve, jogando no Meta Quest 2, e confesso que ela foi bem parecida com a que tive no remake. Embora o remake ofereça algumas melhorias, como uma resolução superior que proporciona maior conforto visual, elas não me pareceram transformar a experiência de forma substancial. De fato, o aumento da resolução trouxe um aspecto mais nítido aos cenários, o que ajuda a reduzir o cansaço visual em sessões prolongadas, mas as melhorias nas texturas, efeitos de partículas e outros aprimoramentos gráficos que costumam ser esperados em um remake acabaram ficando em segundo plano.

Nesse caso, o salto gráfico não pareceu “geracional” — ou seja, as mudanças, embora positivas, não chegam a redefinir o visual ou a sensação do jogo. Esse aprimoramento visual, apesar de bem-vindo, pareceu mais uma atualização do que uma transformação completa.

Desestigmatizando jogos de tiro em VR

No decorrer de Arizona Sunshine Remake, seguimos por áreas lineares de forma lenta, imitando gestos e movimentos próximos aos de uma pessoa real, e esse detalhe é um dos pontos centrais do jogo. Não se trata necessariamente de realismo, mas sim do fato de que a realidade virtual, sendo fortemente dependente de controles de movimento, tende a limitar a velocidade e fluidez das ações em comparação aos jogos convencionais em tela plana. Esse aspecto altera toda a dinâmica de movimentação no jogo. Por exemplo, ações simples como subir uma escada ganham uma nova camada de interação: o jogador precisa literalmente agarrar cada degrau com uma mão e, então, alcançar o próximo com a outra, em um movimento que simula a escalada de forma direta e exige um ritmo mais lento e deliberado. Esse tipo de mecânica, inclusive, é bem explorado em outros jogos VR, como o título da franquia Horizon.

Particularmente, essa abordagem não é a que mais me agrada, pois, apesar de interessante no aspecto imersivo, pode acabar tornando a experiência um tanto arrastada. Felizmente, o jogo oferece opções de acessibilidade que permitem, por exemplo, pular seções de escalada, o que torna a experiência mais fluida para aqueles que preferem evitar esses trechos mais demorados.

Descompasso nos departamentos

Percebo um descompasso significativo no nível de desafio proposto pelo jogo, que nem sempre oferece uma progressão equilibrada de dificuldade. Em vez de construir uma curva crescente e ordenada, o jogo frequentemente apresenta picos de dificuldade logo nos primeiros momentos, além de picos aleatórios ao longo da campanha. Isso faz com que a experiência se assemelhe mais a um simulador da vida real, onde desafios variados surgem de forma inesperada e em diferentes graus de intensidade, do que a um jogo de arcade bem planejado ou a um videogame com uma progressão de desafio bem estruturada.

Essa falta de consistência se torna evidente em situações em que, após enfrentar um ou dois zumbis, você se depara subitamente com uma horda de 15 ou mais inimigos. Esses picos forçam o jogador a testar o próprio limite físico de adaptação ao VR, o que pode ser desafiador, especialmente porque os dispositivos VR exigem que se jogue respeitando as limitações do corpo real. Em um jogo com controle tradicional, isso poderia ser interessante; mas em VR, onde o movimento e a resistência do jogador são diretamente ligados ao controle da experiência, a dificuldade repentina pode se tornar frustrante.

Talvez a maior frustração, no entanto, tenha surgido de uma inconsistência no sistema de checkpoints: ao correr para um checkpoint para salvar o progresso e depois morrer, percebi que o jogo “esquecia” a horda enfrentada, simplesmente recarregando o cenário sem os inimigos. Essa falha acaba sendo um ponto de quebra para a imersão e para o desafio. A partir daí, fiquei tentado a explorar essa brecha sempre que possível, o que tirou parte da tensão natural do jogo e transformou o que deveria ser um desafio em algo menos impactante.

O maior problema ao jogar o remake de Arizona Sunshine, após ter experimentado o original, talvez se resuma em uma comparação inevitável com Half-Life: Alyx. Tive o privilégio de jogar o premiado título da Valve antes de me aventurar por esse remake, e a experiência com Alyx estabeleceu um novo padrão de imersão e qualidade para jogos VR.

Em contraste, embora o remake de Arizona Sunshine ofereça interatividade com o mundo e siga a mesma proposta imersiva, ele carece do polimento e da estabilidade que se esperaria em um título atualizado. Durante minha jornada pelo Arizona pós-apocalíptico, fui interrompido diversas vezes por bugs e problemas técnicos, que acabaram comprometendo a fluidez da experiência.

Algumas trapalhadas angustiantes merecem ser destacadas, com a granada ocupando o topo da lista. Pelo menos na minha experiência, ela parecia completamente bugada. Após puxar o pino e realizar o gesto de arremesso, nada acontecia — a granada simplesmente permanecia “grudada” na minha mão, como uma bomba-relógio prestes a explodir. Imagine minha surpresa ao ver a horda de zumbis ao longe simplesmente explodir sem nenhum aviso visual ou sonoro que confirmasse o lançamento. O objeto parecia ter se materializado à distância, detonando de forma invisível e silenciosa, o que deixava a ação desconexa e frustrante. Esse padrão se repetiu sempre que tentava utilizar a granada, comprometendo o potencial de estratégia e de imersão que essa mecânica deveria oferecer.

Os problemas, porém, não se limitam às granadas. Várias vezes encontrei porta-malas que, ao serem abertos, sumiam da existência, deixando a traseira dos carros magicamente exposta ao céu aberto. Essa inconsistência visual é uma distração frequente, dificultando qualquer tentativa de engajamento com o cenário e com os elementos do jogo.

No entanto, o que realmente levou minha paciência ao limite foi quando perdi o rifle de uma forma completamente inexplicável. Após guardá-lo em meu inventário, ele desapareceu sem deixar rastros, levando comigo a arma mais útil em um ambiente repleto de zumbis. Por longos minutos, continuei procurando pelo rifle, tentando entender se o erro era meu ou uma falha do jogo. Eis que, no meio de uma batalha, ele reaparece de repente, como se tivesse voltado de um lugar desconhecido. Essa situação não apenas comprometeu a estratégia e a tensão do combate, mas também quebrou o ritmo de forma desconcertante.

Logo no início do jogo, o protagonista tenta usar um rádio, mas um problema inesperado torna a interação frustrante. Ao girar o dial para sintonizar a frequência, o dial simplesmente se desprende do rádio como uma peça desmontável, escorregando da minha mão e desaparecendo em seguida. Isso me deixou sem outra opção senão reiniciar a partir do último checkpoint para escapar de um possível softlock, uma interrupção irritante logo nos primeiros minutos de gameplay que poderia facilmente ser evitada com um pouco mais de polimento.

Ela ainda está lá, a diversão

Apesar dessas limitações técnicas, há uma satisfação inegável em cozinhar headshots em zumbis distraídos ao longe. O sistema de armas permite uma abordagem mais realista, com mecânicas que tornam o ato de mirar e atirar uma experiência intuitiva e prazerosa. Esse nível de interatividade traz um alívio e ajuda a manter o interesse, especialmente em um jogo de realidade virtual, onde cada movimento pode ser crucial para o sucesso ou fracasso no combate.

Infelizmente, o impacto positivo das mecânicas de tiro é diluído pela escolha monótona de cenário: o árido Arizona, que parece subutilizado em um jogo sem muito interesse em desenvolver uma narrativa envolvente. Em vez de apresentar uma exploração rica, o ambiente se resume a um extenso deserto sob o sol, com poucos elementos visuais além de carros abandonados à beira da estrada e algumas propriedades em ruínas. O desolado cenário poderia ter sido explorado para criar uma atmosfera mais densa e dramática; no entanto, sem uma história forte para sustentá-lo, o mundo do jogo acaba se parecendo mais com uma sequência de paisagens repetitivas, reduzindo o interesse do jogador em explorar a fundo.

Arizona Sunshine Remake é um jogo que tenta equilibrar a simplicidade de um shooter de zumbis com o potencial imersivo da realidade virtual, mas encontra desafios pelo caminho, que se não estavam no original, só tornaram o remake mais complicado. Embora ofereça uma experiência de combate satisfatória e alguns momentos de pura adrenalina ao enfrentar hordas de inimigos, o jogo é prejudicado por uma série de problemas técnicos e limitações de design que acabam comprometendo a fluidez e a imersão. A escolha de um cenário desolado, que poderia ter sido o pano de fundo para uma narrativa mais intrigante, infelizmente se revela repetitiva, limitando a sensação de descoberta e exploração.

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