Bons jogos precisam prender o jogador em seu(s) mundos(s). Se o mundo é convidativo, mesmo sob uma atmosfera opressora, o jogador será conquistado. Sabendo disso, a Ubisoft se especializou em criar vastos e detalhados mundos. The Crew Motorfest tem uma difícil missão: ser da Ubisoft sem ser.
Não é de hoje que percebe-se um certo padrão ubisoftiano. Quem minimamente acompanhou os últimos dez ou doze anos de lançamentos de jogos, notou certas repetições. Ainda assim, os franceses da Ubi não hesitaram e seguiram reaproveitando mecânicas e elementos, jogo após jogo.
Ao mesmo tempo, dentro do escopo das repetições, tenta-se se mudar os gêneros que praticam as reutilizações. Sejam os FPS como Far Cry ou games em terceira pessoa como Watch Dogs e Assassin’s Creed. Portanto, chegou a hora, de forma ainda mais explícita, de The Crew Motorfest fazer parte do padrão.
Contudo, a pergunta que devemos fazer é: mesmo com o reaproveitamento de mecânicas/elementos, o jogo funciona e é bom? E a resposta é sim.
A jogabilidade de The Crew Motorfest
Para um jogo em que em tese basta “apenas” ir do ponto A ao B em uma corrida, The Crew Motorfest se sai muito bem. Jogos de corrida, bem como os de luta, por uma questão de gênero, não possuem muitas oportunidades de inovação. Cabe, assim, uma inovação limitada.
E é assim, com a missão de fazer (bem) o básico e, na medida do possível, dar seus saltos de fé (Ubisoft, não é?), que TCM opera. No contexto da jogabilidade, há muito muito o que se ver e fazer no jogo. Assim, dentro de determinados limites, jogos podem arriscar incrementar uma ou outra coisa.
No contexto geral das missões, uma coisa é certa: o carro precisará ultrapassar a linha de chegada. Para tanto, apesar de falarmos em carros, não é só eles que temos à disposição no jogo. Lanchas, aviões e motos também estarão disponíveis com apenas algumas poucas missões.
Seja moto, carro, lancha ou avião, os controles terão certa variedade. Uma curva errada com um carro ou moto, por conta dos muros e árvores, pode ser compensada. Ao jogador, resta entender as variações de jogabilidade entre estes e usar o cenário favoravelmente.
Diferentemente, a “curva” com um avião ou barco tende a trazer prejuízos maiores, seja em corrida ou desafios. Como não há nada no que bater (de certa forma) no mar/ar, é preciso mais precisão de controle e velocidade.
Com isso, The Crew Motorfest nos dribla. Quando pensamos que temos um bom controle de um carro ou moto, o avião ou o barco provam o inverso. É o tipo de desafio que renova a jogabilidade e desafia o jogador.
Velozes, furiosos e…
Logo após uma breve introdução em que podemos testar diversos tipos de carros e terrenos, Motorfest nos joga em seu vasto mundo aberto. Daí em diante, nos cabe escolhermos uma das playlists que o jogo oferece. As playlists são pacotes de missões temáticas que homenageiam certas culturas (havaiana, nipônica, etc) ou empresas de carro distintas.
Algumas, no entanto, estarão previamente fechadas. À medida que se vai cumprindo uma playlist, as novas vão se abrindo. Portanto, inicialmente, é preciso se jogar nas que estão disponíveis.
Dentro de cada uma, além dos eventos principais, existem missões paralelas e desafios. As missões principais vão variar de objetivos. Em algumas, principalmente as que mostram-se mais difíceis, o jogo quer apenas que terminemos a corrida, independente da colocação. Em outras, nos é exigido que cheguemos ao menos em terceiro lugar. Por fim, algumas requerem de nós a vitória, o primeiro lugar.
Todavia, no avançar das playlists, novos e curiosos eventos vão surgindo. Um dos meus preferidos envolve ter que ir do ponto A ao B sem danificar tanto assim o carro. Nestas missões surge uma barra de dano do carro. Tudo, daí em diante, implicará em danos ao carro. Seja bater em outro carro, sair fora da pista ou correr demais e saltar de uma elevação ao chão, etc. O jogo acaba incorporando, de certa maneira, um elemento típico dos RPGs. É como se recebêssemos a missão de deixar um item em um local específico sem quebrá-lo.
… turbinados!
Porém, The Crew Motorfest é um jogo que prima pela velocidade. Ou seja: me perdoem os puristas e os ases do volante, mas burlar caminhos nas estradas de TCM é animador. Explico. Sempre que o jogo nos propõe que façamos uma nova tarefa da playlist, surge uma linha amarela acima do carro. A linha indica o caminho mais convencional para se chegar à missão da vez.
No caso de TCM, de forma atípica, ela fica acima do carro. Diferente de outros jogos do gênero em que a bússola fica rente ao chão. Logo de cara, é de se estranhar o seu posicionamento no ar. Até porque não deixa de ser mais um hud para poluir a tela de forma bastante destacada.
Com certo tempo, felizmente vamos nos acostumando com ela. Graças à visão mais aberta e panorâmica do jogo, contudo, a linha amarela torna-se aceitável. Ela indica, então, em meio à velocidade extremada do carro a 300km/h, que virar à esquerda ou direita é seguro.
Reeeeee…mix!!!
The Crew Motorfest passa longe de ser um simulador. E não falo isto como um julgamento negativo e nem mesmo apontando algo ruim. Falo isso porque os carros do jogo, assim como outros games de corrida, possuem um sistema de “respawn“. Se o jogador comete um deslize, pode-se voltar atrás para se consertar o erro. Se é um erro fatal e que porá a vitória ou objetivo em risco, há a mesma oportunidade. Basta o segurar de um botão para se retornar cerca de 15 segundos no tempo.
Com isso, claro, além do jogo se afastar da simulação, insere-se um componente fictício na jogabilidade. Afinal, estamos falando de se consertar um erro em tempo real.
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Só que, além do jogo se afastar da proposta de simulação, com o tempo, os jogos foram ficando mais fáceis. O desafio talvez resida justamente em não usar o recurso. Neste tipo de jogo, evitar o erro também nos melhora. Assim, é provável que a existência de desafios temporais, curvas ultra fechadas e as disputas gerem essa sobrecarga de experiência. Até porque o recurso do remix não deixa de ser um cheat permitido pelo próprio jogo.
Em todo caso, é bastante divertido ter a chance de voltar atrás e estudar novas maneiras de acertar. O que era para ser apenas um recurso para facilitar a jogabilidade, torna-se um pequeno xadrez de erros e acertos.
Um pecado
Em The Crew Motorfest, a Ubisoft pecou justamente em algo que tanto acertou nos últimos anos. Aqui mesmo no Supernovas, em ao menos uma notícia, elogiei o trabalho de localização para português do jogo Immortals: Fenyx Rising.
Pois bem, ao contrário de muitos jogos da Ubi dos últimos anos, TCM não possui o trabalho de localização em português. Ainda que o jogo possua legendas em nosso idioma, há um percalço notável. Enquanto se joga, nossos guias pelas playlists estão quase que constantemente em contato conosco via comunicadores. Na maioria destes momentos, eles estão falando de algum ponto turístico da ilha, encostas, centros comerciais, passagens florestais, etc.
E há toda uma gama de informações que são ditas. Muitas coisas são traços importantes dos costumes e da cultura dos locais. Infelizmente, para um jogador não nativo em inglês, apenas o recurso da legenda provavelmente não ajudará. Afinal, The Crew Motorfest é um jogo que preza pela velocidade. Ajudaria se houvesse localização em pt-br porque é satisfatório jogar e, ao mesmo tempo, conhecer mais por onde se passa. Como não é algo presente no game, paciência.
The Crew Motorfest: o veredito
Os poucos percalços do jogo não tiram o brilho geral da obra. O excesso de huds na tela, quando nas configurações, podem ser contornados. A falta de localização, por outro lado, é algo concreto. Não saindo um patch que adicione a linguagem do português brasileiro ao jogo, é uma situação incontornável.
Apesar dos pouco pesares, o jogo diverte com seus variados estilos de gameplay e pode ser um novo caminho para a franquia The Crew.