“Há 300 anos, as coisas saíram do controle”. É assim, em fundo preto e letras douradas, que se inicia o jogo Some Distant Memory. O indie game da Galvanic Team e publicado pela Way Down Deep saiu em 14 de novembro de 2019. Não que haja uma relação, mas, três dias depois, e no mesmo ano, descobriu-se o primeiro caso da Covid-19.

A relação fica apenas restrita às semelhanças narrativas do batido, embora não cansativo, tema do pós-apocalipse. Pois, como na pandemia, no jogo, também houve um colapso que ceifou a vida de milhões de pessoas. Também no jogo, como conosco nos últimos anos, as máscaras protegem as pessoas. Em nosso caso, as fortuitas pessoas que acreditaram na ciência e salvaram-se na medida do possível. Em Some Distant Memory, as máscaras protegem da inalação nociva nos ambientes externos ao que jogo se passa inicialmente.

Ainda na abertura, porém, com outra frase em seguida, o jogo nos situa acerca do seu gênero. “Os sobreviventes agora vivem em colônias autocontidas, protegidos do florescer das algas que consumiu o planeta durante ‘O Colapso'”.

A mais sucessiva das colônias, Ares, foi originalmente construída para a vida em Marte. Contudo, três décadas após o acontecimento que devastou o mundo como conhecemos, as coisas mudaram. Séculos da corrosão do florescer das algas findaram ou tornaram muitos recursos escassos. Ou seja: é preciso se buscar novas fontes de recursos, antes que o que sobrou diante dos restos, também sucumba.

Somos, então, um líder dessa empreitada, um professor e também intérprete escolhido para dialogar com ARORA, uma inteligência artificial. Nossa missão, antes que Ares também se vá, é buscar estes recursos.

As memórias e o tempo em Some Distant Memory

Na aventura à qual nos propomos a ir, a missão é encontrar a Cidade Afundada (Houston). Quando a jornada começa, recebemos a informação de que já se passou uma década de busca. A Cidade Afundada é um mítico espaço da Terra que foi selado longe da contaminação da superfície. Por lá, pelo que se sabe, também não há resquício algum de tecnologia, seja a computacional ou a elétrica.

Junto com o Professor Zay, o protagonista, estão o Comandante TI e ARORA. O comandante será o nosso interlocutor e protetor ao longo do jogo, além de guia histórico-cultural. Já ARORA, ajudou a manter as coisas funcionando desde ‘O Colapso’. Os três partem em busca da cidade perdida de Houston com apenas resquícios de esperança de encontrá-la.

A verdade é que some Distant Memory pouco se passa no trajeto em si. Nos poucos primeiros passos, logo encontra-se o local desejado. O tempo, contudo, está se esgotando. Os aventureiros precisam logo descobrir se há recursos em Houston antes que Noah e Ares, as colônias, pereçam.

A trilha sonora cintilante e confortável de Toytree, além da lanterna que carregamos, são nossos guias. Uma das belezas da trilha, principalmente no início, é se integrar ao natural: do vento às ondas distantes.

A trilha branda, inclusive, combina-se com outro aspecto da jogabilidade: a não-violência.

A jogabilidade

“Onde há lixo, houve pessoas”. A obra nos dá muitas coisas para fazer. Todavia, é uma pena imensa que estas muitas coisas sejam apenas variações bastantes contidas da mesma ação.

Como ARORA recria memórias a partir de artefatos, temos 89 artefatos para serem descobertos. Porém, é justamente aí, no que o jogo deveria se sobressair, que ele mais falha. A jogabilidade, o aspecto mais importante de um jogo, deveria ser aquilo que nos faz continuar e voltar à obra. Aqui, no entanto, a jogabilidade apenas é frustrante e nos põe em uma corrente incessante de marasmos.

Restam alguns bons conceitos, mesmo assim. Um deles, deveras interessante, é o da arqueografia. Esta consiste na reprodução gráfica ruínas, cenas, monumentos e itens/peças da antiguidade. Com isso, ao se atingir um determinado número de coletas, através da arqueografia, recria-se uma memória. E aí temos acesso às histórias paralelas da família Baron, coprotagonistas essenciais de Some Distant Memory.

Este aspecto, em meio ao pós-apocalipse, é instigante. O micro dentro do macro fascina e a possibilidade de sabermos um pouco mais sobre aquele organismo familiar é cativante.

Entretanto, o fascínio, justamente pela jogabilidade repetitiva, possui prazo. Ao longo da coleta de quase 100 artefatos, SDM nos prende à sua única forma de contar sua história paralela. Assim, se quisermos saber mais detalhes sobre a família Baron, precisamos sair coletando mais e mais artefatos.

O aprofundamento da história do meio para o fim é danificado pela repetição que vai se dando. Ao mesmo tempo que a história contada vai ficando mais interessante, o jogo segue a mesma série de repetições. A não inovação ou mesmo a não diferenciação na jogabilidade é cansativa.

Algumas memórias distantes

O jogo peca por investir demais em sua própria história enquanto esquece da jogabilidade. Dessa forma, a narrativa se rende à jogabilidade e a jogabilidade se rende à extrema repetição. Uma coisa vai empobrecendo a outra e o jogo sai perdendo.

Ao fim, o que pode se dizer é que Some Distant Memory preocupou-se tanto em recriar memórias que esqueceu de criar uma jogabilidade com identidade, infelizmente.