Review: Planet of Lana é jogo sobre amizade em meio ao fim do mundo

Essencialmente, Planet of Lana é uma história sobre a amizade. Seja a amizade que tentamos reaver, seja a que se conquista em meio à jornada até algo. Porém, o contexto emocional representa apenas a condição humana do jogo desenvolvido pela Wishfully. Há também a questão da própria sobrevivência: das espécies, da fauna e flora. Ou seja, a extinção do planeta.

Além do que ocorre nas águas, na superfície ou nos céus, o mundo maior, há também o que é vivenciado no cotidiano da jovem Lana. Em seu mundo particular, ela mora na vila pesqueira de Vailo. A ambientação, pacificamente rodeada por bastante água e situada entre florestas, é o espaço das brincadeiras de Lana e Elo.

Com inspirações em Limbo, Inside, Journey e nas obras do Studio Ghibli, Planet of Lana é uma jornada épica, cativante e deslumbrante.

A JORNADA DE LANA

Já inicialmente, Planet of Lana apresenta uma pequena disrupção. Se, na extensa maioria dos jogos em 2D, nosso objetiva é caminhar, correr e saltar da esquerda para a direita, o jogo faz diferente. Somos convidados, na pequena aventura introdutória dos comandos básicos, a irmos da direita para a esquerda.

Também neste início, o jogo usa a trilha sonora para evocar a beleza e o caráter singelo da vila de pescadores em que iniciamos o jogo. Um sentimento amistoso, dessa forma, toma conta do trecho inicial. Dando a entender, portanto, que perder toda essa beleza é algo que assustará.

Porém, enquanto Lana e seu amigo Elo correm da vila para a floresta, além do escuro da noite que chega, os céus trazem outras coisas. No horizonte, objetos caem como foguetes falhos no solo. Em um despenhadeiro, Elo e Lana são surpreendidos por uma espécie de aranha metálica gigante que captura Elo.

planet of lana

Desesperada, ao voltar para a sua vila, Lana é surpreendida pelo soturno azul que tomou conta dos céus. Onde antes haviam pessoas vivendo suas vidas, agora há uma quantidade impensável das aranhas de metal. Ao fundo, para piorar, há também um gigantesco monstro, também de metal, que toma todo o antigo fundo paradisíaco da vila.

A outrora acalentada vila, sem falar da trilha-sonora doce, agora dão lugar a um apocalipse sintético. A ambientação e trilha, agora parecem ter vindo diretamente de alguma adaptação de A Guerra dos Mundos.

Mesmo quando estamos um pouco distantes da vila, o design sonoro do jogo faz questão de nos lembrar do perigo lá fora. Com sons que são como rasgos no céu, a trilha troveja sobre Lana.

Após uma extensa busca por seu amigo, não resta, à protagonista, nada mais que o cansaço. Lana, assim, desaba.

A BELEZA DA AMBIENTAÇÃO PÓS-APOCALÍPTICA

A temática sobre o fim do mundo, em diversas mídias (jogos, filmes, séries, quadrinhos, livros), sempre despertou a curiosidade de muita gente. Mas, afinal, por que ver o mundo em ruínas é tão agradável e por que Planet of Lana entende e captura tão bem esta essência?

Na ficção, seja ela em qual for, sempre que a humanidade (enquanto pessoas) acaba, de certa forma, aos que sobraram, ela também recomeça (enquanto sentimento).

Acima de tudo, o jogo sabe nos mostrar o pouco antes, principalmente o durante e o bem depois do fim ou quase fim. Poderia ser algo arriscado, visto que estamos falando de um jogo que dura pouco mais de cinco horas. Minha jornada pelo planeta de Lana durou cinco horas e meia. Mesmo assim, o jogo se vale destas temporalidades para que o seu meio, a aventura que nos carregará, tenha ainda mais impacto sobre nós. E funciona.

Para além das decisões sobre o tempo da narrativa, há também a questão do espaço em que ela se situará. E tudo que o Studio Ghibli já fez ao incorporar tanta beleza à geografia dos seus filmes, aqui se homenageia.

Planeta of Lana é aquele tipo de obra que favorece às pessoas que gostam de registrar belos momentos em jogos. Praticamente em todos os cenários, pintados à mão (reforço), há inúmeras possibilidades de registros.

Ademais, os registros podem ser variados, pois este mundo possui beleza, feiura, a desertificação, a coisa mais sintética, o caos e o vazio.

A beleza, portanto, ecoa tanto na vastidão ambiental quanto no eco dos salões fechados.

TUDO QUE É SÓLIDO SE DESMANCHA NO AR

Em cada espaço, seja bem no fundo ou em primeiro plano, há elementos que nos fazem refletir sobre o caminho que aquele planeta está tomando. Se, em alguns campos vastos, avistamos grandes máquinas caídas que criaram enormes crateras, salas fechadas podem impactar pelo óbito do ser menor.

Dessa forma, Planet of Lana potencializa a nossa humanidade ao mostrar as mais diversas dores. Há um estímulo visual e narrativo à liberação das nossas emoções a partir das grandes tragédias ambientais ou das trágicas dores pessoais.

planet of lana

Lidar com a finitude da vida e das coisas é algo que narrativas pós-apocalípticas fazem de forma eficaz. No jogo, em geral, os segundos e terceiros planos são destinados aos acontecimentos ambientais maiores. Em menor escala, mas não em menor aflição, as desventuras e tragédias de Lana estão bem em nossa face, sempre em primeiro plano.

Assim, quando os acontecimentos maiores se misturam aos particulares, temos a noção de que o fim se aproxima, pois houve a convergência de acontecimentos.

PLANET OF LANA E OS DETALHES

O impressionante começo de Planet of Lana mostra o acerto que o projeto é desde os seus primeiros minutos. Sendo aguardado desde 2021, o jogo da Wishfully, apesar de do seu lançamento coincidir com outros de mais destaque em maio, vale a jogatina. Todo o seu tempo de gameplay merece ser apreciado com toda a calma e disposição.

Algo que merece destaque, apesar de ser mínimo, é o senso de profundidade que a personagem possui em relação ao que a cerca. Um exemplo claro fica por conta do que acontece, em um jogo de perspectiva visual 2D, nos cenários. Sempre que algo acontece ao fundo, acima ou abaixo de Lana, ela olha para a direção do acontecimento. O que chama a sua atenção pode ser uma voz, um barulho, algo no cenário, etc. Não importa, ela reagirá.

Apesar de ser algo um tanto minúsculo, é também um atestado da qualidade técnica irrepreensível da obra. Mostra como o setor de design sonoro, a direção de arte e os designers de jogo estão em sintonia.

MUI E OS PUZZLES DE PLANET OF LANA

Mui, o “gatoelho” que faz companhia à Lana, é o outro protagonista e ajudante para solucionar os puzzles que aparecem pelo caminho. O adorável bichinho possui distintas e importantes funções que vão sendo descobertas com o passar do tempo. Como desde andar e então ficar parado em cima de algo (um botão), até cortar cordas que prendem coisas e mais.

Aliás, o recurso de fazer carinho no pet nunca foi tão necessário. No caso específico de Planet of Lana, dado o valor de Mui ao jogo, é algo que não poderia faltar. Basta uma combinação de dois botões para permitir o gesto de afeto para com o pequeno animal.

Em termos de importância mecânica e também narrativa, Mui faz o papel equivalente à égua Agro, de Shadow of The Colossus. Dessa maneira, prepare-se para fortes emoções.

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SER LUZ EM PLENA ESCURIDÃO

Mesmo soando clichê, em Planet of Lana, é justamente quando adentramos o mais profundo breu, que reconhecemos a importância da luz.

E aí, no meio de tudo isso, é fácil reconhecer que o jogo não é apenas sobre achar Elo. É também sobre relacionar-se com Mui, a amizade conquistada. Há um destino, claro. Todavia, há também uma jornada. E Elo e Mui, para Lana, representam a soma da trajetória e do destino.

Falando ainda em ser luz, mais para o fim, e sem spoilers, o jogo guarda algumas excelentes surpresas. Sem informar muito, basta dizer que vamos da bela, tocante, profunda e total contemplação para a ação de cair o queixo em minutos.

Não dá para saber qual o futuro da Wishfully enquanto estúdio. Contudo, fica a torcida para que Planet of Lana receba o devido valor. Certamente será muito bom ver o que os seus desenvolvedores farão a seguir.

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