REVIEW: Fading Afternoon é um indie 2D violento e divertido

Logo que o jogo começa, somos tomados por um conexão geral entre o menu e o início da obra. O menu de opções já é, por si só, o início de Fading Afternoon. Com isso, o jogo mal nos mostra a logo da desenvolvedora. Porém, a pressa deste indie game vem carregada de um estilo único e marcante.

Remetendo aos filmes de ação japoneses dos anos 80 e 90, a obra de Yeo é uma pérola e tanto. Se você é fã do ator/diretor Takeshi Kitano, que brilhou em filmes policiais e de gângsters, eis seu jogo.

E não fica só aí. Uma jogabilidade afiada como uma katana nos reserva divertidas horas neste pedaço de Japão tão agradável, divertido e sanguinolento.

Do cinema aos bits jogáveis

Os locais pelos quais passamos carregam a aura dos filmes estrelados ou dirigidos por Kitano. E esta aura não demora muito a tomar forma. Ela está diante de nós desde o primeiro momento antes mesmo do início da gameplay. Assim que chegamos ao menu inicial de Fading Afternoon, nos deparamos com uma aparentemente triste e insólita cena.

Com uma canção instrumental de fundo, vemos um homem deitado em sua cama, em uma cela de prisão. Com o olhar fixado no teto, o sol atravessa a cela e banha o homem.

Entretanto, tudo que foi descrito acima é exibido em gráficos pixelizados. Como é tradição em jogos com esta estilização tão marcante, diz e mostra-se muito, portanto, com bem pouco. E o game, felizmente, realmente consegue comunicar bastante com, muitas vezes, detalhes mínimos. Para se ficar em apenas um exemplo, basta percebermos o crescimento da barba de Seiji Maruyama, o protagonista. Mesmo no minimalismo quadricular dos pixels, é possível se perceber o crescimento da barba com exatidão.

Todavia, é claro que o detalha da barba é apenas um em meio aos outros que povoam o jogo. Ao longo de todo ele, há referências à cultura asiática e também de outras do globo. Acima de tudo, Fading Afternoon é um jogo que possui alma.

Este indie nos insere em uma jornada cheia de conflitos, tramas mirabolantes, intrigas e vinganças. Sendo um dos jogos mais especiais de 2023, a obra de Yeo é um deleite visual, narrativo e sonoro. E é também, claro, um jogo sobre um Japão que só víamos nos cinemas, mangás e séries.

Herói de lugar nenhum

A porta da cela é destrancada. Com ela aberta, um guarda se posiciona à frente para conduzir Seiji para fora dali. Fora da prisão, o anti-herói vai ao encontro do seu oyabun. O oyabun é aquele que chefia os negócios e a atuação de um determinado clã/família. Enquanto isso, há também os wakashu, os filhos na família, e os kyodai, que são os irmãos.

Independente do que você seja na organização, todos precisam ter irrestrita lealdade e obedecerem ao oyabun. Em troca, o chefe concederá a proteção a todos sob seus domínios e a indicação de necessidades do cotidiano. Além, claro, de generosas quantias de dinheiro à medida que contratos e outras coisas vão surgindo.

Seiji, assim, é um conceituado membro da família Azuma. Mesmo tendo ficado vários anos presos por algum motivo não contado, ele é imensamente respeitado pelos Azuma. Tanto que ele sai com a sua barra de respeito elevada. Devemos, enquanto jogador, seguir realizando os objetivos para subir ou ao menos manter esta barra.

Neste sentido, o jogo é um primor só. Enquanto a barra de respeito está em alta, aliados de menor influência na organização agem educadamente com Seiji. Sempre ao entrar nos escritórios da organização Azuma, Seiji é reverenciado com honras pelos wakashu e kyodai. Se, contudo, a barra está baixa, não espere educação de ninguém.

Dessa forma, detalhes e elementos mais minuciosos da narrativa acabam sendo influenciados pela gameplay. Além disso, com a moral mais alta, o jogador poderá comprar e conseguir coisas mais facilmente. Pensa em adquirir um carro ou uma bela casa? A barra de respeito alta poderá baratear os custos. Se Seiji está com a moral baixa, espere por preços super inflacionados. Ou seja, o jogador terá que suar ainda mais para conseguir respeito e economizar dinheiro.

A jogabilidade de Fading Afternoon

Quase 3D, meio que 2.5D, Fading Afternoon possui influências marcantes de jogos recentes e outros clássicos. Em certos momentos enquanto jogava, foi muito difícil não lembrar de Shenmue, de Ghostwire: Tokyo e Sifu. Por motivos diversos e uns com mais e outros com menos adesão, FA lembra estes jogos.

De Shenmue, por exemplo, há toda a pluralidade de atividades que Seiji pode fazer. Embora sejam ações mundanas, enriquecem o pano de fundo narrativo em alguns casos. Já de Ghostwire: Tokyo, tem-se o cuidado para que a direção de arte transmita o clima daquele mundo. Por fim, de Sifu, temos a variedade e estilização do combate. Seiji é um perigo nas artes marciais e com o manejo de armas brancas. E também é um exímio atirador, desde que o treinemos para tal, contudo.

Portanto: soque, chute, defenda, agarre, bloqueie, tome armas e use facas, espadas ou pistolas. A movimentação quase 100% 2D do jogo esconde uma série de possibilidades de ação. Seiji, em praticamente quase todo o jogo, pouco será atacado em confrontos um a um. Assim, é essencial que o jogador domine as suas várias técnicas de socos, chutes, defesas e desarmes. Com os movimentos certos, Fading Afternoon transforma-se em um belo balé marcial.

Para ir melhorando em combate, Seiji deve agir contra as famílias rivais. Na intensa disputa por territórios, constantemente há pontos de confrontos por aí. Além dos Azuma, temos também as famílias/clãs Harada, Tanaka e Ando disputando o poder local.

Os ciclos de Fading Afternoon

Desde o momento da tela inicial do jogo em que o sol adentra à cela da prisão, o clima se mostra importante. Do mesmo modo, o jogo segue ciclos do dia para direcionar a jogabilidade. Com isso, a cada dia, há cerca de três ou quatro locais que podemos visitar. Ou situações que podemos nos envolver.

Como o cenário possui limitações, dependendo da tela que se avance, entraremos no trem ou no carro. O trem, aliás, é o seu transporte inicial até que você possua o dinheiro para adquirir um carro. Seja no trem ou carro, devemos escolher o nosso próprio destino. Quando a noite chega, é hora de dormir.

Assim como a dinâmica do trem ou carro, há também a dinâmica do sono. Seiji, se você não alugou um quarto de hotel ou comprou uma casa, dormirá no carro ou em bancos de praças.

Surge, então, um diferencial com relação à questão do sono. Se sua barra de respeito é muito alta, dormir ao relento poderá diminuir, a cada dia, um ponto de respeito. Afinal, é de se imaginar que um alto membro da família Azuma não precise dormir em condições ruins. Alugar o quarto de hotel por mais dias ou semanas ajudará a manter a barra. Ou ainda investir alguns milhões na aquisição do seu lar.

As referências no jogo

Em determinados locais em que se entra, a atmosfera obviamente mudará e poderá trazer brindes ao jogador mais atento. Para não incorrer por demais no campo dos spoilers, citarei apenas duas ocasiões bem especiais.

Ao se entrar em uma discoteca que há na cidade, os primeiros acordes de uma famosa música irá tocar. A música, entretanto, não é a que logo associamos, mas dá para claramente se ouvir os acordes iniciais dela. Uma dica: é de uma famoso trio da música pop que, nos anos 70 lançou esta canção. Em 1977, a canção explodiu ao ser trilha de um famoso filme dançante com John Travolta.

Em outro momento, a bela Plastic Love, da cantora Mariya Takeuchi, lançada em 1984 quase dar o ar da graça. Quase porque, ao entrarmos em um karaokê, uma canção bastante similar é entoada por uma jovem mulher.

Para quem não conhece Plastic Love, deixo abaixo uma versão repaginada em vídeo dela enquanto dica cultural.

Outra coisa que brilha em Fading Afternoon é o clima de soft jazz da trilha. Nenhuma caminhada pelas ruas e calçadas do game será simplória. O jogo trata de sempre permear nossos passos com uma trilha-sonora instrumental que se destaca. O estilo elegante de Seiji e seus passos lentos, a direção de arte e a trilha provocam uma gratificante imersão.

O fim é também um começo

No jogo, até mesmo ser derrotado pode expandir a narrativa. À medida que vamos perdendo alguns confrontos, a derrota nos leva para o hospital. Em muitos outros jogos, apenas seria reiniciada a fase ou partiríamos do ponto da derrota para se tentar outra vez. Aqui, não.

Ao perdemos, somos levados ao hospital para o devido tratamento. No hospital, uma doutora dá conselhos sobre como Seiji pode aproveitar melhor a vida. Seiji, que coloca o dever acima da própria vida, trava interessantes diálogos com ela.

Se o jogador segue perdendo confrontos, os diálogos vão se aprofundando. Ao ponto de, bem, a relação paciente e médico ser extravasada e aprofundada. Mais uma vez, é apenas um detalhe mundano. Todavia, fatos assim enriquecem o background de um personagem tão sisudo e frio.

O jogo possui mais de um final. Um deles pode ser acessado logo após se conseguir uma pistola. É o final da honra, porém, não é o fim. Seiji pode mais. E se o jogador desejar, pode recomeçar e seguir até o final menos pessoal e derradeiro.

Fading Afternoon é um belo e pequeno achado. Em meio ao oceano de jogos tão maiores e, muitas vezes, bem menos profundos, ele é diferenciado. Sua leveza contrasta com sua seriedade tal qual seu roteiro, por vezes grandioso, casa com seus minimalismos.

É uma bem vinda obra que fala sobre honra enquanto também presta homenagens ao Japão e sua cultura. Um jogo cativante, instigante e desafiador.

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