Review: Assassin’s Creed Mirage

Em e-mails recentes de Phil Spencer, CEO da divisão Xbox, foi comentado que o cenário atual das publishers hoje é que nenhuma dessas grandes quer apostar em cavalos novos no páreo, jogos baseados em franquias que ainda não existem. Isso se deve ao fato de que o custo e o ciclo de desenvolvimento não se mostram viáveis para os investidores. Então, o que eles fazem é criar jogos com base em franquias já existentes e saudavelmente ativas. Com o tempo, no entanto, isso pode torná-las menos saudáveis, levando-as a definhar até que adotem outra estratégia ou façam alguma renovação. Talvez o exemplo mais representativo do que eu mencionei seja a Ubisoft, que declarou abertamente essa tática, apostando apenas em franquias como Watch Dogs, Rainbow Six, Far Cry e, acima de tudo, Assassin’s Creed.

review de Assassin's Creed Mirage
Não é Agrabah, mas poderia ser…

Joga para o público, o público joga

Assassin’s Creed Mirage surge como uma forma de pesquisa, assim como às vezes vemos a Capcom perguntando ao público se eles gostariam de ver mais remakes. No entanto, a Ubisoft nos apresenta esse formulário na forma de um jogo mais contido em comparação com os jogos Assassin’s Creed anteriores. Mas não se engane, pois o termo “jogo menor” que tanto divulgaram para Mirage pode ser enganoso. Certamente não é um jogo que ultrapassa a marca das três centenas de horas de jogo para o conteúdo principal, mas se assemelha mais a um jogo grande que você jogaria algumas gerações atrás, e essa sensação é confortável de se experimentar. Então, vamos prosseguir com a nossa review de Assassin’s Creed Mirage para descobrir o que se encontra dentro dessas poucas dezenas de horas oferecidas?

Nas 25 horas do jogo, pude experimentar uma série de ajustes finos e substanciais em relação aos jogos anteriores da série. Muitos elementos remetem ao primeiro jogo da série, embora aquele fosse simplesmente um jogo não muito bom na época. No entanto, sente-se que o trabalho aqui é refinar o que foi introduzido em Origins, Odyssey e Valhalla.

A lenda de Basim, que rima com Aladdin

Começando desde o início, seu personagem é Basim, um NPC importante em Valhalla. Basim tem uma vida que traça fortes paralelos com Aladdin e, curiosamente, o enredo inicial de Fable 2. Ele e sua amiga de infância sobrevivem de pequenos roubos em Bagdá. Seus sonhos vão além, e ele sente que proteger o povo de ameaças maiores é seu dever e destino na vida. Provavelmente porque, entre um roubo e outro, ele observava as visitas dos Assassinos de Alamut à cidade em busca de troca de informações. Ele sempre procurava motivos para se envolver na cultura desses ocultos, mas não era levado muito a sério, exceto por um certo dia em que recebe uma missão de teste: entrar no palácio do político mais poderoso da área em busca de um baú cujo conteúdo interessava muito aos Assassinos.

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Encare seus medos, Basim.

A visita quase dá certo, exceto pelo fato de o poderoso político acabar morto em confronto e Basim ser obrigado a fugir de sua cidade e ser treinado em Alamut para se tornar aquele que ele acreditava ser seu destino. Eu mencionei que Basim é atormentado por um djinn durante seus sonhos? Parece-me um conto mais obscuro de Aladdin e seu gênio.

Me dê motivos…

A infelicidade em toda essa narrativa é que, assim como em 90% dos outros jogos da série, não teremos muito tempo para desenvolver os personagens, especialmente aqueles que não são Basim. Todos parecem estar muito focados em sua própria missão, deixando de lado os traços que poderiam construir grandes personagens e histórias. E isso, para mim, é um dos piores erros dos jogos de mundo aberto, já que é necessário que os elementos que compõem aquele mundo tenham força suficiente para contar pequenas histórias, colorindo a experiência de maneira envolvente. Mirage continua a apostar exatamente no oposto quando se trata de personagens.

Certamente você sentiu mais compaixão por Edward Kenway em Black Flag ou se envolveu com os namoricos de Ezio quando jovem em Assassin’s Creed 2. Neste último exemplo, todas as brigas de garoto e escapadas pela janela da amada nos fizeram se importar com o que aconteceu em seguida com sua família, e essa bola de neve ajudou a construir um grande personagem principal. Basim parece profissional e focado demais para ser um protagonista rico em um videogame moderno e, mais uma vez, acaba sendo apenas um dispositivo de navegação pelo mundo.

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A gente sabia que você viria aqui procurando pelo verde…

Mundo, pra quê te quero…

Falando sobre o mundo do jogo, graças à excelência que a Ubisoft sempre soube manter, Mirage não é exceção. O território em que você se aventura é rico em direção artística, e por ser menor do que quase uma nação inteira, permite que admiremos os cenários sem que se tornem excessivos ou tão grandes a ponto de não ser possível aplicar cuidado artístico em todos os cantos. Bagdá e seus arredores não são apenas locais áridos. Entre plantações verdes de arroz e belas paisagens nas bordas dos portões, encontramos canais e um povoado vivendo suas vidas em busca de sustento. Dentro dos portões, esquecemos um pouco do clima seco ao nos aventurarmos por becos estreitos com uma população sempre ocupada, com crianças brincando em praças improvisadas ao redor das árvores, enquanto operários produzem tinturas para roupas numa fábrica a céu aberto mais ao lado.

Essa foi a Gota Mágica

Nesse contexto, talvez a melhor opção seja jogar o jogo na língua original. Assistir aos personagens falando em árabe pode aumentar sua imersão. Só que eu não recomendaria experimentar a versão brasileira da dublagem por mais de dez minutos, principalmente por causa do personagem principal. Não sou exigente com dublagem, mas atribuir o papel de Basim a um iniciante na carreira parece ser um exagero para mim. Não gostaria de julgar o trabalho dos profissionais de nosso país nesse caso, mas a disparidade ao dar papéis de dublagem para NPCs a veteranos que conhecemos de cara e ouvi-los atuando é desconcertante.

Basim poderia apenas recitar suas falas em um caderno durante as cenas que não pareceria tão estranho, pois parece que o que está acontecendo aqui é exatamente isso com o personagem. Chega ao ponto de a dublagem das crianças na rua ser mais convincente. Em muitos momentos, parece que o dublador não tem a menor ideia do que está falando e não demonstra entusiasmo quando o papel exige mais dele. Isso às vezes pode ocorrer pela falta de direção na dublagem. Mas, também quando o estúdio de dublagem deixa os dubladores sem material visual de referência por questões de segurança. No entanto, Basim está no nível de qualidade de dublagem de um amador.

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As-salamu alaykum

Use os fones!

Por outro lado, o destaque aqui é o design sonoro e a trilha sonora. A escolha de timbres que fogem um pouco do padrão utilizado pela indústria de filmes e jogos na última década é notável. Provavelmente isso se deve à temática do jogo, pois um pouco dessa característica já era perceptível desde Origins. Contudo, aqui ela é explorada com mais intensidade. Além disso, as canções não se limitam a orquestrações grandiosas. Elas não só buscam soar épicas, mas são composições que fazem sentido e trazem profundidade às cenas, como um tema que se encaixa perfeitamente em um filme bem produzido, com as pessoas certas no momento certo.

Na grande reformulação que a franquia recebeu desde as aventuras no Egito, vimos muitas restrições sendo afrouxadas. Eram combates rápidos e gratificantes, embora um tanto enjoativos. Você poderia invadir uma grande fortaleza sorrateiramente, mas se o plano desse errado, poderia entrar em modo de ação e enfrentar seus inimigos, munido de habilidades especiais e letais. Desta vez, ao tentar invadir um mercado com formato de fortaleza no meio de um deserto em busca de um alvo, eu já sabia que teria que ser cuidadoso para não ser visto uma única vez. Isso, baseando-se em minha experiência dentro do mesmo jogo até então.

A mão na massa

Depois de atender a alguns pedidos de pessoas lá dentro, sempre tomando cuidado para não ser flagrado, eu estava pronto para forçar o meu alvo para fora de seus aposentos e finalmente assassiná-lo. Um pequeno deslize e um momento de impaciência após 20 minutos em um jogo de interpretação de Sam Fischer, um único guarda me viu e começou um corre-corre ao estilo Os Trapalhões. Ali, aparecia algo constante da série: a falta de confiança nos controles e movimentos do personagem quando a ação se intensificava. No meio do pânico, decidi subir até o telhado acima de meu alvo. A essa altura ele já observava a confusão de uma varanda; o comando para assassinar não apareceu.

Antes que os guardas me alcançassem, decidi cair na varanda e confrontar o indivíduo. Ele sacou sua faca no mesmo segundo em que meus olhos se arregalaram e percebi que aquilo seria um problema. Não havia como sair dali a não ser executando um golpe certeiro. Sem opções ou prompts, saquei minhas facas arremessáveis, ajustei o ângulo e esperei pelo melhor. Bingo, a faca, com muita sorte, voou na jugular do malfeitor, ativando a cutscene de Basim enrolando uma corda em volta do pescoço do alvo em seguida, para se jogar da sacada e finalizar o ato enforcando o já degolado.

Mesmo que toda a ação tenha sido desajeitada, há espaço para improvisação e, assim, surgem momentos orgânicos. E os melhores videogames brilham mais quando oferecem esses momentos orgânicos na jogabilidade.

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Não se engane de jogo…

Não tão rápido, mocinho!

Dentro de todos esses elementos, podemos falar sobre as limitações que aparecem quando tratamos do combate em si. Agora, Basim possui uma barra de stamina muito curta, ao mesmo tempo em que o combate se baseia em desviar ou fazer parry nos golpes de seus inimigos. E sim, você já viu isso em Ghost of Tsushima. Lá, o inimigo brilha de uma cor quando está suscetível a parries e brilha de outra cor quando o golpe é indefensável, e um parry não será eficaz.

Não sou o maior fã desse sistema de brilhos, pois a janela de reação é realmente muito pequena para decidirmos o que fazer. No entanto, o que não existia em Tsushima era o sistema de stamina. Na dança que a batalha se tornou em Mirage, bastam alguns desvios para que você fique sem fôlego para realizar qualquer ação, inclusive desferir golpes. Portanto, o jogo é projetado para que você pense cuidadosamente em cada ação, pois até mesmo balançar sua espada consome sua stamina.

Basim está um pouco mais crível em sua movimentação em comparação com os últimos jogos, tornando-o mais lento, especialmente durante perseguições. Isso significa que você terá que improvisar um pouco mais para criar obstáculos para os inimigos que o perseguem. Alguns deles podem alcançá-lo facilmente.

Números são detalhes

Não temos à nossa disposição uma grande variedade de habilidades especiais. Na verdade, a árvore de habilidades, que é desbloqueada com pontos obtidos através de XP. Essa árvore é bastante limitada e, para ser sincero, não achei a maioria das opções de compra muito atraentes.

O modo tour, que eu adorava, foi deixado de lado. Agora, para voltar ao jogo principal, assemelhando-se aos primeiros jogos, onde temos informações históricas em texto conforme chegamos aos locais correspondentes. Belas fotos reais do local atual podem acompanhar essas consultas. Essa conexão com a realidade é importante para tornar o jogo mais interessante de ser explorado e para nos envolvermos com aquela realidade.

A próxima vítima

Na narrativa, a característica mais cativante reside na busca por pistas para revelar o principal inimigo em um determinado núcleo, levando o jogador a figuras cada vez mais importantes até desmascarar os antagonistas principais do jogo. Isso que já ocorria em Odyssey e Origins e era uma das coisas mais intrigantes nesses jogos.

No menu, isso se assemelha a um diagrama, um mapa mental das missões secundárias e da rede de personagens com quem você precisa interagir para desvendar os segredos uns dos outros.

Certamente, você se lembra do esquema estranho do primeiro Assassin’s Creed, que era a lista de alvos a serem eliminados, um por um, e isso aqui representa uma evolução natural de tudo isso. Em essência, é o que mantém você envolvido no jogo até o final. A menção desses personagens aumenta cada vez mais seu desejo de realizar os assassinatos, em vez de apenas lidar com uma série de NPCs vazios.

Pronto para a próxima

A franquia Assassin’s Creed é como os álbuns de uma banda. Alguns são mais difíceis de entender e precisam de tempo para serem digeridos, enquanto outros cativam imediatamente. Alguns são bastante experimentais, mas no final das contas, é possível enxergar o DNA familiar. Portanto, Mirage parece mais uma versão refinada dos jogos recentes em termos de design de jogo do que um retorno às origens. De fato, temos os locais e o sistema de investigação presentes, o que remete ao primeiro jogo, mas acredito que apenas as características certas foram extraídas daquele jogo. No entanto, é possível afirmar que Assassin’s Creed Mirage encontrou um ponto de equilíbrio, embora permaneça a sensação de que ainda é difícil distinguir entre as iterações e entender o que realmente nos entusiasma genuinamente e o que são os fãs, como nós, querendo por osmose mais uma aventura nos tempos antigos.

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