Dragon Quest III HD-2D Remake chega para matar a curiosidade de arqueólogos abaixo dos 30 anos, onde vejo o jogo sendo consumido por poucas horas antes de ter sua vontade saciada. Ou então, irá servir ao segundo grupo, os quais são as pessoas saudosas revisitando o jogo por completo de modo a ter as velhas sensações mediante novos olhos.
Esta análise não é baseada em uma gameplay do jogo original, embora eu tenha alguma familiaridade com a franquia com XI e Builders. Eu sempre invejei não ter um jogo para ser tão obcecado a ponto de faltar ao trabalho e os patrões terem que declarar feriado quando cada continuação fosse lançada. Esse é o caso de Dragon Quest e tenho certeza de que no Japão, muitas pessoas hoje já velhas estão comprando este remake para reviver esses tempos malucos.
Ao mergulhar no Dragon Quest III HD-2D Remake, sei que estou pisando em um terreno que, para muitos, é sagrado e nostálgico, marcado por uma estética e mecânicas que remetem a uma era de ouro dos RPGs. Embora meu ponto de vista não seja moldado pelas memórias do jogo original, essa experiência permite observar o remake com um olhar misto: enquanto fã das reimaginações modernas da franquia, tento reconhecer o valor e a fidelidade que essa nova versão oferece aos jogadores veteranos e o quanto ela pode ou não dialogar com aqueles que, como eu, chegaram mais tarde à série. Dito isso, mesmo sem um grande contato com o original, temos plena ciência das características mais íntimas de um jRPG antigo.
É importante notar que, ao longo desta análise, os paralelos que traço remetem constantemente ao jogo original, pois minha perspectiva engloba tanto o Dragon Quest III de 1988 quanto o remake atual, quase como se fossem uma obra só. Isso ocorre porque, para mim, Dragon Quest III HD-2D Remake não é apenas uma atualização visual e técnica, mas uma ponte que une duas eras distintas dos JRPGs — os anos 80 e os anos 2020. Embora existam décadas de inovação entre o original e o remake, ambos compartilham o mesmo núcleo de design e filosofia. Portanto, analiso o remake com um olhar que reconhece sua fidelidade ao espírito original, ao mesmo tempo, em que considera o quanto ele representa (ou se desvia do que representa) o que é um JRPG para o jogador moderno.
Nos esforços recentes, existem melhorias de vida neste remake, mas velhos amigos como o grinding vão reaparecer. Acho isso fundamental de ser mantido porque não é agora que o novato curioso irá achar em Dragon Quest III HD-2D Remake uma entrada fácil de engolir da franquia. Porém, essa escalada artificial será largamente amenizada das dores ao ajustarmos a velocidade de batalha para “ultra-fast” – um novo recurso em relação ao original que vai ajudar jogadores modernos a aceitarem melhor a brincadeira jRPG de ser das coisas.
Para muitos, essa é uma das bases do gênero e um elemento intrínseco à franquia Dragon Quest, e traz uma experiência que recompensa a dedicação e a paciência do jogador. Essa escolha revela que o remake não foi pensado para atrair o jogador casual ou alguém que espera um RPG mais linear e simplificado, mas sim para aqueles que valorizam o ritmo e as peculiaridades dos clássicos. A nostalgia se mantém viva exatamente porque o jogo não procura “consertar” o grinding, e isso já diz muito sobre seu público-alvo: jogadores que já conhecem o gênero ou estão dispostos a investir tempo para dominar suas mecânicas.
Todavia, nada é mais forte do que o aspecto dos gráficos reformulados. Há quem diga que a técnica de tornar gráficos 2D em dioramas 3D, com efeitos de luz e sombra, algo já enjoativo, desde que Octopath Traveler popularizou a técnica. A meus olhos, isso nunca cansa e poderia tranquilamente se alastrar a outros jogos atuais que empregam sprites.
Esse conjunto de técnicas não estraga a magia de imaginar por conta própria o seu mundo, exercício esse recorrente para quem cresceu com jogos de 8 e 16bits, sem outras opções. Invés de levar para o realista e assim mostrar que Papai Noel não existe mesmo, Dragon Quest III HD-2D Remake reinterpreta os antigos sprites, a fim de alcançar sentimentos transformados. Assim, cada região, cada cantinho de cidade será interpretado de forma diferente por cada pessoa, e isso segura a chama da antiga magia.
O roteiro, é muitíssimo simples, mas incrivelmente ainda consegue sacar do bolso alguns twists interessantes para um jogo tão antigo. Mesmo assim a última coisa que você deve se esforçar para gostar de um Dragon Quest é a história, por mais estranho que seja falar isso de um (j)RPG. Dragon Quest III HD-2D Remake não tenta alterar drasticamente a narrativa, tampouco se vale de recursos modernos para aprofundar a história. Esse respeito pelo enredo original, mesmo que ele pareça simples pelos padrões de hoje, é uma escolha deliberada.
No vigésimo sexto aniversário de seu personagem, o rei julga você capaz de fazer oque o seu falecido pai não conseguiu: derrotar Archifiend Baramos. E lá vai você numa aventura que rapidamente começa. Isso, inclusive é uma das várias heranças do remake, que não resolve mexer na narrativa original, ou, se mexe, não consigo notar esforços sendo realizados.
Essas “heranças” que o remake carrega vão além da trama e tocam em aspectos que podem parecer limitados, especialmente para os padrões atuais. Um exemplo evidente é a profundidade quase inexistente dos companheiros de batalha. Ao contrário de muitos RPGs modernos, onde os aliados têm histórias pessoais complexas e desenvolvimento emocional ao longo da jornada, em Dragon Quest III HD-2D Remake os personagens aliados surgem de maneira simples, quase impessoal. São recrutados numa guilda que funciona como uma “fábrica” de heróis, oferecendo diversas classes para compor o grupo do protagonista. Essa abordagem “em massa” de personagens reflete o foco de um RPG antigo, que prioriza a aventura e o desafio estratégico em detrimento do aprofundamento psicológico dos personagens. No remake, essa simplicidade é mantida: a narrativa não tem em vista desenvolver laços entre os personagens, deixando que o jogador preencha essas lacunas com sua imaginação.
Duas características acima da média que sempre noto presentes em títulos Dragon Quest são: a trilha sonora, que rapidamente se torna clássica aos ouvidos. Ela também exerce grande parte emocional num jogo com padrões tão simples para hoje, e a outra característica é a dos inimigos, que possuem design tão marcante de Toriyama-san que dividem o protagonismo entre todos os jogos da série. Os monstros têm design sem igual e exalam carisma, mesmo sem botar para fora uma palavra sequer. Isso é um feito praticamente inédito para mim em jogos, pois o investimento geral do tipo é feito em NPCs, sejam eles bons ou ruins, mas nunca em simples monstros, podendo ser o mais bucha ao mais sofisticado – todos ganham tratamento especial, mais do que os próprios NPCs.
É por essas e outras características que esse remake se sustenta tão corajosamente e se autoafirma a ponto de enunciar mais dois remakes para o próximo ano, estes que estranhamente serão dos dois primeiros (quando deveríamos tê-lo ganhado primeiramente invés de III). Tudo que dá para dizer é que quando todos esses três jogos estiverem disponíveis, teremos um arco narrativo fechado dos jogos, mesmo que essa narrativa seja tão fraca quanto cerveja zero álcool.
Esta análise foi possível graças a uma chave de review gentilmente fornecida pela Square Enix.
Dragon Quest III HD-2D Remake
VEREDITO
Se os gráficos simplórios de NES ou SNES colocavam uma barreira na sua jornada de conhecer a série inteira Dragon Quest, esse Remake HD-2D é lindo a qualquer olho e macio a qualquer ouvido. Todavia, velhas características não sumiram e mesmo com algumas melhorias repensadas, pode ser que os mais sensíveis achem Dragon Quest III HD-2D Remake um jogo que deva ser consumido em curtas ou médias doses.