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Clássico reapresentado, Broken Sword Shadow of the Templars Reforged presta favores, mas desvaloriza a si historicamente no processo – Análise
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Clássico reapresentado, Broken Sword Shadow of the Templars Reforged presta favores, mas desvaloriza a si historicamente no processo – Análise

A grande vantagem dos jogos do gênero Point & Click reside na sua singular habilidade de abraçar o jogador em uma atmosfera acolhedora e nostálgica, como se o próprio jogo fosse uma manta macia que te envolve durante uma tarde fria. A proposta desses jogos não está apenas em resolver quebra-cabeças ou interagir com os elementos na tela, mas em proporcionar uma experiência que, por vezes, nos faz esquecer o tempo. A grande maioria dos desenvolvedores, ciente desse poder imersivo, capricha ao construir histórias e mundos que convidam o jogador a se perder em suas atmosferas. Seja em um quarto pequeno e caloroso, onde a luz suave entra pela janela, ou sob o céu claro de Paris, com o vento sussurrando pelas ruas, ou ainda em um vilarejo perdido em alguma ilha remota, no meio do oceano, onde bares rústicos oferecem abrigo e bebida com um toque de caos alegre, esses jogos nos transportam para ambientes que parecem viver e respirar.

O aspecto mais curioso desses jogos é que, por mais complexas e desafiadoras que sejam as situações enfrentadas — seja um enigma aparentemente insolúvel ou uma trama cheia de reviravoltas —, os cenários criados proporcionam uma sensação constante de conforto e familiaridade. As vielas estreitas de uma cidade antiga, a pequena sala de entrada de uma casa aconchegante ou até mesmo o céu vasto e estrelado tornam-se elementos que, em conjunto, oferecem ao jogador uma espécie de refúgio psicológico. Nesse contexto, os desafios do jogo não são o principal foco, mas sim o alicerce que mantém o universo em equilíbrio, dando sentido à sua existência e funcionamento. É nesse espaço seguro que os jogadores buscam abrigo, e é ali que eles voltam repetidas vezes, especialmente aqueles que tiveram a sorte de vivenciar a era de ouro dos point & clicks durante os anos 90.

No entanto, esse fenômeno não se restringe apenas aos nostálgicos que viveram esses tempos. Mesmo que você seja alguém das gerações mais recentes, como Z, Y ou qualquer outra, é plenamente possível recriar em sua mente essa sensação de pertencimento e romantizar uma era que talvez nunca tenha experimentado diretamente. Da mesma forma que muitos jovens hoje em dia revivem e celebram a cultura dos anos 80, seja através da música, da moda ou do cinema, os novos jogadores podem, com um pouco de imaginação, se transportar para a atmosfera mágica dos point & clicks. Esses jogos, com sua combinação única de narrativa envolvente, estética charmosa e desafios inteligentes, continuam a fascinar e a encantar, transcendendo gerações e conquistando novos públicos.

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A mídia dos videogames é frequentemente associada à ideia de testar reflexos, habilidades motoras e outras percepções sensoriais. No entanto, um aspecto que muitas vezes não recebe o devido reconhecimento é a qualidade literária que esses jogos podem oferecer, comparável a grandes obras da literatura clássica, desde que seus criadores sejam igualmente talentosos na arte de contar histórias. Nesse contexto, os point and click se destacam como uma forma imersiva de não apenas jogar, mas de estar verdadeiramente dentro desses mundos fictícios, enquanto a imaginação do jogador é constantemente estimulada para preencher as lacunas deixadas pela tela. O resultado é um mundo mágico e pessoal, onde as respostas para as perguntas “O que há depois dessa esquina?” ou “Como será o clima naquela rua que não posso visitar?” são inteiramente construídas pela mente de quem joga. É essa liberdade criativa que torna a experiência tão única e pessoal.

Pensando se essa cadeira está parafusada no chão (creditos: The Gamer)

Quando você explora um ambiente em um jogo point & click, sua imaginação se torna parte integrante do processo, algo que óculos de realidade virtual, por exemplo, não conseguem replicar da mesma forma. A tecnologia VR, sem dúvida, oferece uma visão completa do mundo do autor, onde todos os detalhes são servidos ao jogador de forma precisa, como se cada nuance fosse uma colherada guiada diretamente à boca. E isso não é, de maneira alguma, algo negativo. A realidade virtual proporciona uma maneira única de vivenciar o mundo conforme foi idealizado pelo criador, sem a necessidade de que nossa mente complete os espaços vazios. No entanto, essa diferença de abordagem apenas ressalta que estamos falando de formas diferentes de arte, ambas igualmente válidas e fascinantes.

O que quero destacar aqui é que Broken Sword, especialmente o primeiro jogo, é um excelente exemplo desses princípios. Ele encapsula a sensação de aconchego quase turístico ao transportar o jogador para uma Paris bucólica, onde a vida continua a fluir, indiferente aos mistérios que se desenrolam pelas ruas e vizinhanças. É um mundo que convida à contemplação, à exploração tranquila, em que o ambiente acolhedor é tão importante quanto a narrativa. No entanto, como acontece com muitas séries, Broken Sword passou por altos e baixos, e eu sinceramente espero que suas continuações consigam resgatar essa essência depois de uma fase menos inspirada, como a da era do PlayStation 2.

Admito que sou um tanto leigo na série Broken Sword, e o que compartilho aqui é apenas minha visão conforme avanço pela jornada desses jogos. No entanto, é evidente que, em algum momento, decisões menos acertadas foram tomadas, desviando um pouco o foco daquilo que tornava a série tão especial. Apesar disso, minha experiência com o primeiro jogo, embora limitada, foi marcante. Muitas vezes, comecei e larguei o jogo por motivos variados — seja pela perda de um save ou simplesmente por circunstâncias alheias —, mas sempre houve algo que me atraía de volta. Curiosamente, meu primeiro contato foi através de uma plataforma improvável: o Game Boy Advance. Desde então, experimentei o jogo em outras versões, como no Wii e no DS, e acabei finalizando-o, de fato, no PC. Mais precisamente, no Steam Deck, que, por sinal, é um dispositivo perfeito para esse tipo de jogo, proporcionando uma experiência confortável e portátil.

"Cara, acabei de chegar de um comício do PL..."
“Cara, acabei de chegar de um comício do PL…”

Como mencionei anteriormente, Broken Sword é mais um desses jogos que exalam charme em seu pequeno e intimista mundo. A Paris retratada aqui, com tons predominantemente amarelados, pode não agradar a todos, mas captura com perfeição a sensação de uma tarde parisiense. É um cenário que parece nos convidar a mergulhar em uma versão mais nostálgica da cidade, valorizando sua arquitetura antiga e seus detalhes históricos, como se fosse um tesouro perdido em uma velha biblioteca coberta de poeira. Essa escolha estética faz com que Broken Sword envelheça graciosamente. Sua arte, atemporal em qualquer mídia visual, e a ausência intencional de elementos modernos — como prédios espelhados ou pessoas filmando com seus celulares — contribuem para essa impressão. Embora o jogo não se passe em um tempo tão remoto, sua visão de Paris é decididamente clássica, evitando o moderno em favor de um ambiente mais tradicional e encantador. Além disso, Broken Sword é uma jornada que atravessa diferentes países e culturas, o que parece quase um requisito obrigatório para qualquer grande aventura gráfica.

“Esse edredom de rocha esquenta demais, broto.”

Ao longo dos anos, entre remasterizações e relançamentos, o público agora tem em mãos a versão Reforged, que traz uma reformulação visual completa. Esse trabalho é semelhante ao que foi feito com o primeiro Monkey Island, com um esforço evidente em polir e melhorar a experiência para os jogadores, não apenas no visual, mas também nas chamadas “melhorias de qualidade de vida” que já estavam presentes em versões anteriores.

No entanto, há uma crítica recorrente quanto a esse tipo de remake: o abandono da parte artística 100% manueal em favor de uma arte mais tradicional, muitas vezes semelhante a outras mídias visuais. Quando um jogo é reformulado e apresenta um novo estilo visual, pode dar a impressão de que essa mudança é uma “melhoria” definitiva, algo que supostamente eleva o material original a novos patamares. Entretanto, essa suposição pode não ser a mais adequada, especialmente quando se trata de algo tão subjetivo quanto a arte. Melhorar algo graficamente não significa necessariamente capturar o espírito da obra original, e muitas vezes a escolha por uma estética mais moderna pode alienar os fãs que valorizam a essência nostálgica e o charme rústico dos gráficos feitos à mão.

Essa questão reflete a tensão comum entre a preservação do estilo original e o desejo de modernizar e atrair novos públicos. Para muitos jogadores, o valor de jogos como Broken Sword reside não apenas em sua jogabilidade e narrativa, mas também em como a arte original consegue evocar emoções e experiências que se perdem em reformulações visuais mais contemporâneas.

Essas observações se encaixam perfeitamente com a recente revelação de que os desenvolvedores de Broken Sword admitiram o uso de Inteligência Artificial (IA) para auxiliar na criação de imagens na nova versão do jogo, algo que tem dividido opiniões. Charles Cecil, o criador da série, comentou que o jogo original contava com cerca de 30 mil sprites, todos desenhados manualmente, e que cada um desses sprites levava em torno de uma hora para ser produzido, com um custo aproximado de R$144,00 por sprite. Agora, com o desenvolvimento do novo jogo da série, além de um projeto paralelo de remake visual de outro título da franquia, estamos lidando com uma questão que, para muitos, parece inevitável: “ou é assim, ou isso não existiria”. Nesse contexto, a IA surge como uma ferramenta para viabilizar a produção, mas não sem controvérsias.

Existe um consenso de que os fãs poderiam viver muito bem com a versão Director’s Cut remasterizada, que foi criada à mão por artistas, capturando a essência de cada cena e animação com cuidado e habilidade. Para muitos jogadores, uma parte significativa do prazer de revisitar esses clássicos está justamente no consumo visual proporcionado pela arte original, onde cada tela e cada animação foram meticulosamente desenhadas, contribuindo para a experiência imersiva e única dos jogos dos anos 90. O uso de IA, por mais que torne o processo mais eficiente e econômico, muitas vezes perde o toque humano que dá vida e personalidade a esses jogos, e essa perda de valor subjetivo é algo que preocupa muitos fãs.

Felizmente, os jogadores terão a opção de escolher entre jogar a versão clássica ou experimentar essa nova abordagem visual, o que soa como uma admissão por parte dos estúdios de que a nova estética pode não ser bem recebida pela maioria. Dar ao jogador essa escolha parece uma maneira de evitar a alienação dos fãs mais tradicionais, que valorizam a autenticidade do trabalho manual dos artistas originais.

O jogo original já em 1996 não economizava em detalhes, tudo feito à mão

A arte utilizada nessa nova textura do jogo, por exemplo, é um reflexo dessa mudança. Ela remete aos desenhos animados dos anos 80, mas de uma maneira tão “limpa”, com tons de degradê e sombras simuladas de forma quase artificial, que transmite uma sensação de superficialidade. Esse visual altamente polido, sem as imperfeições e nuances que a arte tradicional oferece, muitas vezes acaba diminuindo o impacto emocional e o valor estético da obra. Em vez de acrescentar profundidade, pode parecer mais genérico e impessoal, deixando muitos jogadores com a sensação de que algo foi perdido no processo.

A nova experiência faz um bom trabalho em manter o mesmo sentimento do original.

Essa nova abordagem visual, embora inovadora em sua execução técnica, pode não capturar a essência nostálgica e artesanal que tantos fãs da série Broken Sword aprenderam a amar.

Broken Sword não é um jogo extenso em termos de duração, com uma média de 10 horas de gameplay. No entanto, ele compensa sua curta duração com uma jornada aconchegante que atravessa diversos países da Europa e do Oriente Médio, transportando os jogadores por locais ricos em história e mistério. O enredo do jogo combina elementos de suspense, assassinato e sociedades secretas, o que o torna comparável a obras populares de ficção como os romances de Dan Brown ou filmes de aventura em que enigmas históricos e conspirações globais estão no centro da trama.

A forma como o jogo costura diferentes culturas e paisagens em sua narrativa é o que mantém o interesse do jogador vivo ao longo de toda a campanha, mesmo que não seja uma aventura particularmente longa. A cada nova cidade ou país visitado, há uma sensação de descoberta, de que algo maior está por trás de cada pista desvendada, que cria uma experiência que se torna grandiosa mesmo dentro de seu tempo limitado, que não dá adeus não. Não antes de te empacar com um bode teimoso…

Fique ligado em nosso conteúdo do canal e podcast para receber mais opiniões sobre este e outros games.

Este jogo não apresenta a linguagem PT-Br.

Nosso agradecimento vai para a produtora que gentilmente serviu a chave para que essa análise pudesse ser feita.

Broken Sword: Shadow of the Templars Reforged

NOTA - 7.9

7.9

CLÁSSICO INCONTESTÁVEL

Broken Sword: Shadow of the Templars Reforged é uma obra que, apesar de sua curta duração, consegue transportar o jogador por diversos países da Europa e do Oriente Médio com maestria. A narrativa, comparável às tramas de Dan Brown, oferece assassinatos, segredos antigos e sociedades secretas. No entanto, as escolhas visuais recentes, com o uso de IA e o abandono da animação e coloração à mão, criam uma certa tensão entre modernidade e tradição, levantando questionamentos sobre a autenticidade e o valor artístico do remake