Jogos de super heróis, em geral, valem-se muito de momentos emocionantes para os personagens principais. Como sabemos, são situações em que há um profundo risco de vida para as pessoas envolvidas. Aos heróis, cabe a resolução do problema, o enfrentamento do vilão ou vilões e, em geral, salvar alguém, um grupo de pessoas, um local ou uma cidade. Não que Spider-Man 2 não possua seus grandiosos momentos de ação cheios de set pieces de encher os olhos.

Na realidade, o jogo está repleto de momentos assim. Entretanto, para além da parte física e da jogabilidade, a obra segue mantendo algo imprescindível para manter o interesse do jogador: seus personagens são, antes de qualquer coisa, seres de carne e osso. Ou seja, possuem suas metas, ficam tristes, choram, sorriem, dizem bobeiras, cometem erros, têm ciúmes e tomam decisões apressadas e erradas.

Mais do que combates mirabolantes, gráficos de ponta e reviravoltas profundas, existe alma.

Peter Parker, o Spider-Man

É fácil gostar de Peter Parker. Aliás, torna-se fácil gostar dele. Tudo que rodeia o personagem, seja nos quadrinhos, nos filmes, animações ou jogos, possui importantes doses de humanidade. Muitos outros heróis, diferente do Homem-Aranha, são poderosos, vêm de outro planeta/universo, são super velozes, super fortes, ficam invisíveis, aumentam ou diminuem de tamanho, etc. Todavia, Peter Parker é “apenas” alguém comum. Seu super “poder” consiste em, simplesmente, encarar o dia a dia. Assim, com o lançamento do aguardadíssimo Spider-Man 2, a Insomniac, desenvolvedora do jogo exclusivo para Playstation 5, fornece provas incontestáveis do quanto conhece Peter Parker e o rol de personagens do universo aracnídeo.

Um fato é que à medida que vamos conhecendo o seu cotidiano, antes da roupa que o consagra e independente do seu heroísmo, nos identificamos. Afinal, estamos falando de um garoto/adulto que, como muitos de nós, possui inúmeras dificuldades. Seja a falta dos pais, o falecimento do seu tio, as dificuldades em arranjar (e manter) o emprego, as obrigações estudantis, as relações amorosas e mais. Sem falar ainda que, no caso de Spider-Man, o primeiro jogo desta saga da Insomniac, o Peter Parker vê partir uma outra amável pessoa. Talvez a maior das suas maiores referências humanas.

Miles Morales, o Spider-Man

É tão ou mais fácil ainda de se gostar de Miles Morales. Assim como Peter Parker, Miles também possui a sua nada invejável cota de problemas diários. Ao perder um importante ente querido, Miles precisa coexistir com o seu alter-ego, o Spider-Man. Além disso, ele cresce em meio à violência que aflige não só as pessoas pobres, mas também o povo negro e os imigrantes latinos.

Sem falar que sua mãe, Rio, precisa se virar entre a função de mãe, dona de casa e também o papel de ser uma mulher ativa em sua comunidade. Miles, que é um pouco mais novo que Peter, também precisa arcar com algumas sérias responsabilidades. Suas responsabilidades, embora não incluam a necessidade de buscar/manter seu emprego, certamente passam por algo ainda mais preocupante: em um mundo bastante preconceituoso, ele, de ascendência latina e um jovem negro, precisa provar o seu valor diariamente diante do mundo que o cerca.

A Última Caçada

Ao longo de toda a sua duração, Spider-Man 2 consegue se sair muito bem em duas frentes. O primeiro destaque é que ele consegue, mesmo em um game recheado de personagens, oferecer tempo de tela para alguns pormenores e situações que fazem a diferença no coração do jogador. Em segundo lugar, ao sair do campo dos detalhes, o jogo abraça um contexto épico que se segue por dezenas de horas.

Dessa forma, para que o jogador consiga sentir o medo dos personagens, além de se preocupar com eles, é preciso que a narrativa ofereça perigos reais. E se há algo que a trama bem desenvolve, é a expectativa, a ansiedade, a preocupação e o medo. Estas ameaças, ora, estão dignamente representadas por um vilão ofensivamente marcante: Kraven (na versão dublada, o personagem ganha a voz do global Rodrigo Lombardi).

E se os heróis possuem alma e coração, alguns dos vilões principais de Spider-Man 2 são o puro mal, em alusão à famosa frase do Doutor Loomis (Halloween), quando ele define o que é o vilão Michael Myers. E o puro mal que assola a cidade de Nova York, seus habitantes e os dois heróis é o caçador Kraven.

Spider-Man (Kraven)

Ele, que está em busca da sua última caçada tal qual o famoso arco dos quadrinhos, não irá ser só uma pedra no sapato de Peter e Miles. Ele é a uma rocha imparável, insana, bem armada e tecnologicamente preparada para caçar. Kraven prova uma máxima:

Nada é mais difícil do que encarar quem nunca desiste.

A afirmação feita para definir o caçador, contudo, serve para definir os heróis, seus principais aliados e o povo nova-iorquino. Só que as coisas ainda pioram muito antes de melhorar. Se Kraven é um puro mal, outro vilão é um pesadelo real.

“Nós… somos… Venom!”

Venom, que é um dos mais aterrorizantes vilões de qualquer mídia, em Spider-Man 2, é uma ameaça titânica. Se os dois heróis são espetaculares ao trabalharem juntos, espere também ameaças dobradas com as presenças de Kraven e Venom.

Com Venom em cena, nenhum combate é minúsculo. Miles e Peter ganham um oponente realmente desafiador e que pegará os jogadores de surpresa, pois o nível dos confrontos é algo absurdamente homérico.

Em linhas gerais, o que a Insomniac faz aqui é escalar o jogo a um nível que qualquer adaptação cinematográfica dos heróis, por melhor que fosse, ainda ficaria em dívida diante da majestosa contribuição do jogo para o universo do Homem-Aranha.

Aspectos técnicos e jogabilidade em Spider-Man 2

Em relação à parte gráfica, mesmo que jogado no modo qualidade, a tradução visual é belíssima. Nova York, dessa vez, está repleta de pedestres, carros, caminhões e coisas acontecendo.

O ray tracing consegue deixar tudo ainda mais bonito, principalmente em meio aos prédios espelhados ou na chuva. O sistema de traçado de raios é tão sublime que ao posicionarmos o herói entre prédios espelhados que estejam de frente um para o outro, será possível ver o reflexo do reflexo entre as estruturas.

Algo que também atesta a imensa qualidade e cuidado do jogo é o céu de Nova York. Ao longo das horas de gameplay, de forma impressionante, as luzes, as cores e a densidade do céu mudam de acordo com o andamento da narrativa. Em determinados momentos mais alegres e positivos, o céu brilhará sobre Miles e Peter. Já em momentos de muita tensão e introspectivos, o céu terá uma carga mais sombria e pesada.

Não dá sequer para dizer que são detalhes mínimos, visto que é o céu inteiro. Contudo, ao jogador mais apressado, as mudanças climáticas e visuais da direção de arte, por conta da própria intensidade da jogabilidade e da narrativa, podem passar despercebidas.

Com grandes poderes…

A natureza humana dos personagens importa ao ponto do jogo nos fazer ter consideração até mesmo pelos vilões. Seria muito fácil, mediante os aspectos super-humanos de Miles e Peter, desenhar os vilões das formas mais caricatas possíveis. No entanto, o jogo acerta em cheio ao munir uma boa parte dos seus vilões com interessantes camadas de personalidades.

Com tais decisões, o jogo opera fora do preto e branco e oferece vilões com motivações profundas para fazer o que fazem e heróis que erram e desagradam mesmo tentando acertar. Não que o caricato, por si só, fosse um problema. Só que o trabalho narrativo é tamanho que acerta-se um tanto mais ao enriquecer o desenvolvimento dos personagens que estão no jogo.

Assim, independente das missões nos levarem aos inevitáveis confrontos, resta espaço para que o jogador consiga nutrir certa empatia e esperar por determinadas redenções.

Spider-Man 2 acerta em cheio ao expandir o que foi feito nos jogos anteriores. Com a dupla de heróis e mais o reforço de coadjuvantes de luxo (Mary Jane, Hailey, Wraith, Mr. Negative e outros), o jogo mostra que qualquer pessoa ali importa e servirá à jogabilidade e à narrativa. O personagem menor dos jogos anteriores, aqui ganhou importância. O importante nos jogos anteriores, aqui possui menos espaço.

Assim como a mesma coisa acontecerá com os mais e os menos importantes deste jogo, que devem ganhar uns mais espaço e outros no próximo capítulo desta franquia, que certamente sairá.

OBS: o jogo guarda algumas surpresas pós-créditos. Por sinal, os créditos demoram um tanto mais de meia hora para chegarem ao fim. O que mostra a quantidade de centenas e centenas de pessoas envolvidas na produção do jogo.

Que o próximo jogo de Peter Parker e Miles Morales não demore tanto. Nova York e nós precisamos deles.