O site Supernovas estreia a sua série de entrevistas com Lucas Molina, desenvolvedor brasileiro responsável pelo game Robotherapy. A obra saiu hoje, 7 de agosto, e o Supernovas já jogou, finalizou e escreveu a crítica (leia aqui). Além disso, você confere em primeira mão o que seu criador tem a nos dizer.
Em uma série de seis questões, descubra mais sobre as inspirações pessoais de Molina, de onde veio a ideia para o jogo e o que esperar dos seus próximos projetos.
JÔNATAS ANDRADE: Em primeiro lugar, nos fale sobre as inspirações para a criação do jogo. Há elementos de psicanálise, muito sobre questões futuristas e tudo acaba voltando ao terreno do real e dos problemas reais. O que te inspirou a mover-se para o futuro e, ao mesmo tempo, manter esse olhar no presente e até mesmo trazendo referências do passado?
LUCAS MOLINA: Robotherapy é um jogo autobiográfico: a inspiração foi a minha vida. Eu tinha uma ideia antiga de fazer um jogo sobre terapia de robôs, por algum motivo a ideia parecia legal. Mas eu não conseguia definir quais seriam as mecânicas do jogo, então deixei o projeto na gaveta por muitos anos. Aí eu fui testar uma ferramenta de criação de visual novels para a Godot Engine chamada Dialogic, e percebi que aquela velha ideia de um jogo sobre terapia de robôs poderia ser nesse formato, sem muitas mecânicas, com mais foco no texto.
JÔNATAS ANDRADE: O jogo trata de diversas questões relacionadas às doenças mentais, sempre com respeito e também tentando abordá-las de maneira mais didática. O que te atrai dentro do campo da psicanálise ao ponto de levá-la para Robotherapy?
LUCAS MOLINA: A principal modalidade terapêutica que inspirou a “robotherapy” foi a TEAM-CBT, uma variação da terapia cognitivo-comportamental criada por David D. Burns. Meu primeiro contato com o trabalho dele foi através do livro Feeling Good, sobre depressão e outros problemas mentais. Eu li esse livro porque minha ex-namorada estava deprimida e eu queria ajudar de alguma forma e entender melhor o problema. Mas descobri que eu mesmo tinha um pequeno nível de depressão, de acordo com um teste fornecido no livro. Lembro de fazer um dos exercícios e me sentir muito bem, otimista, mais feliz. O que me atraiu para o tema é esse potencial da terapia de melhorar o humor, de fazer a pessoa se conectar mais com a felicidade simplesmente desfazendo alguns “nós mentais” dos nossos pensamentos.
JÔNATAS ANDRADE: Posso estar enganado, mas, ao jogar Robotherapy, senti certa inspiração na forma como Woody Allen roteirizava seus filmes. Dessa forma, muitas piadas acontecem no desenrolar de falas que podem soar dúbias, servindo de escadas para um personagem lançar uma piada. Como se deu este processo de brincar com a questão de linguagem?
LUCAS MOLINA: O humor do Robotherapy surgiu muito naturalmente. Acho que eu nem me propus a escrever uma comédia inicialmente, mas as falas engraçadas foram aparecendo e o processo de escrevê-las era tão divertido que eu segui nesse caminho. Eu mesmo ria das minhas piadas fazendo o jogo. E o processo de escrita, inicialmente, se transformou em: como eu posso extrair o máximo de humor dessa situação, desses personagens?
JÔNATAS ANDRADE: Ainda dentro da questão da linguagem, há alguma possibilidade do jogo receber uma versão com legendas em português brasileiro? Se sim, como você entende que ficarão piadas que estão no jogo e têm a ver com termos como “Back”, “Sorry” e outros?
LUCAS MOLINA: Acho difícil traduzir o jogo, justamente porque muito do humor ficou muito atrelado à linguagem. Outra dificuldade é que a Dialogic, ferramenta que eu usei, não tem um bom suporte para localização. Eu imagino que seria necessário um processo de criação de novas piadas, não só tradução literal das falas. Nesse momento, não é algo que eu tenho interesse em fazer.
JÔNATAS ANDRADE: Como nasceram estes personagens tão curiosamente intrigantes? Há inspirações por trás deles?
LUCAS MOLINA: Todos os personagens são eu, de uma certa forma, mas acho que isso é inevitável com qualquer escritor, então dizer isso é a mesma coisa que não dizer nada. Por outro lado, os personagens também têm inspirações bem específicas, e alguns nomes dão dicas. “Smokes” é uma referência a “Burns”, de David Burns (fumaça e fogo, ou, mais literalmente, “fuma” e “queima”). “Back” é ainda mais óbvio: Aaron T. Beck foi um dos criadores da terapia cognitivo-comportamental, e apresentou a modalidade para David Burns lá pelos anos 70. Mas, apesar da inspiração dos nomes, os personagens em si são muito mais baseados na minha vida e personalidade do que em outras pessoas.
JÔNATAS ANDRADE: Já há algum novo projeto em mente ou em pré-produção que você possa nos contar?
LUCAS MOLINA: Eu tenho um projeto de longo prazo que estou desenvolvendo ao lado do Robotherapy. Se chama Historia Realis: Rome (https://historiarealis.com/). É um jogo completamente diferente, um simulador de Roma Antiga. O Robotherapy é um projeto secundário, um descanso, um jogo mais cretino que eu pude desenvolver sem a pressão de fazer algo grandioso. Isso foi muito legal no processo criativo, poder fazer algo mais tosco e pessoal e estar tudo bem. Ao mesmo tempo, o Robotherapy foi meu primeiro jogo com uma narrativa linear, e descobri que eu gosto de escrever, e que nesse formato posso expressar coisas que não conseguia com jogos mais mecânicos, como os meus anteriores Painters Guild e Roguemance. Então pretendo fazer mais jogos narrativos. Aguardem!
Para saber mais sobre o trabalho de Lucas Molina, você pode acompanhá-lo através do seu site: https://lucasmolinagames.com
Esperamos que vocês tenham gostado da entrevista. Fiquem bem e bons jogos!